O cenário não é novo, mas não deixa de ser, cada vez mais, dramático: em Portugal, a média dos ordenados é muito baixa e os mais recentes indicadores não projectam um futuro otimista. Aliás, o salário médio nacional está cada vez mais próximo do salário mínimo nacional – o que significa, na prática, a generalização do trabalho precário, a destruição da classe média e o aniquilar da esperança para as novas gerações. A tão propalada e festejada distribuição de riqueza tem significado, na verdade, a sua destruição e a distribuição da pobreza.
A classe média, em democracia, nunca se viu tão asfixiada: tanto pela burocracia reinante no Estado (as dificuldades no acesso aos mecanismos de lay-off são disso exemplo), cuja estrutura reflete um aparelho pouco modernizado e incapaz de gerar um ambiente propenso à capacidade criar riqueza, como pela crescente e pesada carga fiscal. As novas gerações, em grande parte os filhos da classe média – uma das grandes conquistas sociais dos últimos 47 anos em Portugal – parecem condenadas a ganhar pouco mais do que o salário mínimo nacional (já mesmo antes da pandemia, o INE estimava que o salário médio mensal das novas gerações se cifrava nuns milionários 754 euros).
De facto, os números e a realidade da maioria dos portugueses são esmagadores: 1) a remuneração líquida mensal média fixa-se em pouco mais de 911 euros; 2) 60% dos trabalhadores por conta de outrem ganham menos de 800 euros; 3) Portugal é o segundo país da Europa onde o salário mínimo está mais próximo do salário mediano – por responsabilidade de um vencimento médio extremamente reduzido e não tanto por um salário mínimo elevado (665 euros).
É evidente que a discussão em torno do salário mínimo é relevante, mas a governação tem-se dedicado a ela quase em exclusivo, ignorando o facto de o salário médio não descolar há vários anos de pífias actualizações em função da inflação. A este propósito se tivermos por referência a evolução de ambos, percebemos que nos últimos cinco anos (2015 a 2020), enquanto o salário mínimo subiu 26%, o salário médio subiu uns enganadores 11% – potenciado pelos aumentos do indicador anterior, pela actualização salarial na função pública e também devido à destruição de emprego resultante da gestão pandémica (o desemprego tem afectado mais os salários mais baixos).
Ora, é relativamente clara a ausência de um pensamento político de fundo quanto à mudança deste paradigma na cena governativa. Bem pelo contrário, a esquerda tem-se limitado ao facilitismo do aumento legal do salário mínimo e à diabolização de uma componente decisiva do tecido empresarial português – as grandes empresas e os grandes grupos económicos. A própria visão da recuperação económica à pandemia, vertida no PRR, é reveladora disso mesmo: há uma inexistência total de vontade na criação de um ambiente que facilite a criação de riqueza promovida pelo sector apto para o fazer – o privado.
Esta é a única forma sustentável e duradoura de aumentar os salários em Portugal: facilitar a actividade empresarial, gerando um clima favorável à criação de riqueza, que consiga multiplicar valor, gerar melhor emprego, distribuir bem-estar, atrair quem invista e redimensionar as nossas empresas. Isto não se faz sem uma forte atractividade fiscal para trabalhadores e empresas, dando projecção gradual e estável de diminuição de impostos sob o trabalho e o empregador.
Este pressuposto é vital para a mudança da situação instalada: um discurso que gere uma vontade política expressiva de melhor emprego. Se esse debate for feito com seriedade, perceberemos, em primeiro lugar, que Portugal precisa de uma nova legislação laboral, pronta e actual para as novas tendências do trabalho, onde a flexibilidade e a segurança sejam vectores para uma diferente realidade do trabalho. Adicionalmente, e não menos importante, precisamos de uma transformação do tecido empresarial, que facilite a transformação e crescimento dos empregadores.
A simpática denominação das PME não deve impedir o trajecto desejável do sector privado numa economia forte: que as pequenas empresas se transformem em médias e que as médias empresas se transformem em grandes. Se as maiores empresas geram tendencialmente maiores salários (veja-se que empresas de menor dimensão pagam salários mais baixos, em média 836,18 euros; já as empresas entre 401 e 1.000 trabalhadores pagam uma média mensal de 1.374,69 euros), então não devemos ter um clima sócio-político onde o capital que gera tecido produtivo seja alvo de constante desconfiança.
Devemos almejar um país sustentável, capaz de se renovar, estimular a natalidade, promover a qualidade de vida e potenciar a inovação. Para tal não é bastante discutir como é que os portugueses vão recuperar o seu rendimento, perante a crise brutal em curso. Antes, e com igual importância, devemos construir um caminho sólido de crescimento, onde cada português acredite numa hipótese do seu rendimento crescer e numa chance de não ser invariavelmente um remediado. Qual é o lugar para os novos num país que não lhes é capaz de dar um horizonte de mobilidade social? As novas gerações precisam de um novo fôlego, sem a fantasia socialista de que se pode proteger e aumentar rendimentos, incluindo o salário mínimo, sem conceber o aumento da produtividade e do tecido produtivo. Uma nova energia para as empresas, aptas a valorizar quem trabalha, comprometidas com a subida real do rendimento. Um futuro com respostas palpáveis que se traduzam num aumento do bem-estar dos mais jovens, que revele que em Portugal é possível subir na vida e não ser eternamente nivelado por baixo.