O artista de origem turca Refik Anadol anunciou a inauguração do primeiro museu dedicado a IA Art, ou seja, a obras produzidas com modelos de LLM, em Los Angeles, até ao final de 2025. Anadol tem sido um dos grandes promotores da utilização da Inteligência Artificial em projetos criativos.
Em março deste ano, no primeiro leilão de IA Art promovido pela Christie’s, a sua obra Machine Hallucinations – ISS Dreams foi vendida por 277 200 dólares e o leilão gerou vendas totais de 728 784 dólares.
Não foram as primeiras obras de IA Art a atingirem valores astronómicos. O retrato de Alan Turing, produzido pelo robot Ai-Da, foi vendido por mais de um milhão de dólares, no final de 2024.
Para obras que não beneficiam da proteção da lei – não são reconhecidas como criações artísticas originais e, como tal, nada obsta a que sejam reproduzidas ou copiadas – como explicar os valores pagos?
Desconhecendo-se a identidade dos compradores e, como tal, o seu hipotético fascínio pelo trabalho “criativo” de computadores, a explicação parece mais prosaica.
A Christie’s aceitou o pagamento em criptomoedas, um ativo conhecido pela sua utilização no branqueamento de capitais e pelo seu valor especulativo (não está associado a nenhuma atividade produtiva). Se não custou a ganhar, seja a sua origem legal ou não, utilizar criptomoedas para comprar um ativo cuja liquidez é duvidosa não parece problemático. A Christie’s também divulgou que cerca de 40% dos licitantes eram novos clientes. Não surpreende, há muitos interessados em promover a IA Art, a narrativa da sua genialidade e a sua aceitação social. Sobretudo, aqueles que se ocupam da produção dos programas de computador que estão na sua origem.
De facto, o valor do mercado de IA Art atingiu, em 2024, 430 milhões de dólares e estima-se que, em 2029, seja de 2.51 mil milhões de dólares. Da produção de música para campanhas publicitárias a efeitos para jogos de computador, o potencial é enorme. E tudo, em meia dúzia de cliques.
Aquando do lançamento do ChatGPT 4.0, com uma nova capacidade de geração de imagens em determinados estilos artísticos, tornou-se viral a conversão de fotos (pessoas, locais ou eventos) ao estilo de animação japonês (no caso, o Estúdio de Animação Ghibli).
Sam Altman afirmou, orgulhoso, que a equipa se tinha dedicado na seleção de exemplos de como a tecnologia poderia ser utilizada, e passou a utilizar, nas redes sociais, uma imagem sua ao estilo Ghibli. Referiu que o ChatGPT estava bloqueado de gerar imagens ao estilo de artistas vivos. Não porque a lei o impedisse ou o programa não tivesse capacidade de o fazer, mas porque os artistas “não gostam”.
E, de facto, é conhecido o desagrado do criador do estilo Ghibli, Hayao Miyazaki, à animação gerada por computador. Miyazaki afirmou ser um “insulto à vida”.
A lei não protege estilos e mostra-se totalmente inadequada para proteger o trabalho dos criadores. Um estilo demora anos a criar e a aprimorar, mas agora, em poucos segundos, todos podemos ter uma foto com amigos transformada numa cena dos desenhos animados da nossa infância.
A lei dos direitos de autor não foi pensada para os LLM, mas para os humanos. Não se proíbem revisitações e reinvenções de estilos, textos, melodias… porquanto a criatividade humana é um processo evolutivo, inspiracional. Os LLM treinam e imitam. Podem não copiar, mas nada criam de primordial. Não é um plágio, mas não é genial, nem sequer original. Mas é muito bom e rápido e, como tal, extremamente apto à sociedade do descartável. Se a sociedade não revisitar a forma como protege a criação humana, arrisca-se a sacrificar a criatividade no altar da tecnologia e da “evolução”. O Parlamento Europeu já divulgou o primeiro documento em que se reconhece que a legislação atual (incluindo legislação de direitos de autor e Inteligência Artificial) é desadequada. Importa agora exigirmos uma ação rápida do legislador, para que a lei acompanhe os valores que a Europa afirma defender.
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