Decorreram seis anos entre a proposta de separação da parte documental da parte policial da política migratória portuguesa e a criação da Agência de Integração Migração e Asilo.
Um tempo demasiado longo e que prolongou a agonia dum serviço que já não respondia às necessidades nem às políticas de inclusão preconizadas quer no Pacto da ONU para as Migrações, quer na nova política europeia contida num novo pacto sobre a mesma temática.
A nova agência surgiu, pois, com um lastro enorme de pendências e os olhares desconfiados e reprovadores dos críticos para os quais a imigração é um perigo e os imigrantes potenciais delinquentes.
Não obstante e contra ventos e marés, a nova entidade começa a dar passos seguros, não tão rápidos como gostaria e poderia, não fossem os entraves da herança e de alguns grãos de areia colocados estrategicamente por quem quer reverter o processo e voltar à velha fórmula.
Portugal é reconhecido como um país de boas práticas de acolhimento espontâneo. Como tal, não será difícil implementar as políticas de integração planeadas uma vez que, de momento, ainda não existem grandes movimentos de caráter xenófobo.
Mas, como se costuma popularmente dizer-se, eles andam por aí!
Se alguma coisa os últimos anos nos ensinaram foi que nenhum caminho está completamente feito nem nenhuma conquista é totalmente irreversível.
Portugal é reconhecido como um país de boas práticas de acolhimento espontâneo. Como tal, não será difícil implementar as políticas de integração planeadas uma vez que, de momento, ainda não existem grandes movimentos de caráter xenófobo
A confirmá-lo estão declarações feitas por quadrantes menos humanistas e bastante chegados à extrema-direita, que afirmam claramente a intenção de reverter esta nova política de acolhimento, integração e legalização que se pretende levar a cabo.
Contagiados pelos ventos que sopram do exterior, estes movimentos alimentam-se da ignorância e propagam o medo aliado à diferença que “o (a) outro(a)” representa.
Veja-se o que se está a passar em França e que levou já à demissão de ministros e até da primeira-ministra.
O novo projeto-lei, que muitos veem como uma concessão feita a Le Pen e aos seus apoiantes, cavou um enorme fosso entre imigrantes e franceses. Estes últimos e as suas famílias têm prioridade no acesso a apoios do Estado, não estando clara a obrigatoriedade de se encontrarem a trabalhar, ou serem desempregados de longa duração. Ao contrário destes, os imigrantes que caiam na situação de desemprego, mesmo que tenham durante anos contribuído para a Segurança Social francesa, têm um período de carência no que se refere à assistência do Estado, que pode chegar a anos e que não se prevê vir a ser inferior a três meses.
Três meses!!! Já se imaginaram em situação de desemprego, sem rede familiar de suporte e com responsabilidades parentais, ficarem a aguardar pelo apoio do Estado que ajudaram a construir? Sem falar do acesso ao sistema de saúde que passa também a ser mais restrito para imigrantes.
Outra questão sempre latente nas políticas migratórias é a definição de “nacional”. Quem são os verdadeiros franceses? Quantas gerações são necessárias para tal?
No país que nos deu a máxima da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, no país da Revolução Francesa, que gritou a igualdade entre todos os homens e aboliu os privilégios duns poucos com o prejuízo de tantos, a distinção entre cidadãos de primeira e de segunda passa a ser, em pleno séc. XXI, uma triste realidade.
Já não basta ter nascido em França para se ser francês. Exige-se uma quase pureza étnica de má memória.
A Europa continua a navegar sem rumo nesta temática, teimando em manter a regra da unanimidade de decisão e estabelecendo perigosos compromissos em nome da democracia e da soberania nacional.
Tal como Pilates, o mais recente Pacto Europeu remete para os países da União as decisões de aceitação de refugiados ou a sua “deportação” para países que considerem seguros. A UE, como instituição, lavará daí as mãos, o que pode significar o envio de um enorme número de pessoas para “paraísos” como o Ruanda, o Burundi ou outros similares.
Mas quando se pensaria que nada podia ser pior, eis que surge a cereja no topo do bolo, em forma de timing político.
Com um presidente do Conselho Europeu demissionário e a entrada em vigor deste novo pacto em abril, as políticas migratórias poderão ficar nas mãos do senhor Orban, cujo país irá presidir à Europa a partir de julho.
Preveem-se, pois, tempos turbulentos para quem tenta encontrar na Europa, finalmente, um lugar de paz e tranquilidade.
Com as alterações à política migratória, Portugal enveredou pela linha do imperativo humanitário no que concerne ao acolhimento dos que fogem da fome, da guerra e da morte.
Nesta Europa cada vez mais enredada em políticas de extremos, podemos e devemos fazer a diferença.
Basta estarmos atentos e nunca esquecermos que também já arrastámos uma mala de cartão por esse mundo fora.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.