Já ouviram falar de Orestiada? E de Alexandropolis? É bem provável que não. São cidades que não vêm nos folhetos turísticos da Grécia onde as ilhas e as ruínas da velha Atenas são bem mais apelativas.
Mas, se vos disser que são duas cidades perto do rio Evros, aí já talvez alguns relacionem a região com, por um lado, o enorme incêndio que assolou o país e, por outro, com o drama dos imigrantes que sucumbiram nas suas margens.
Evros foi até agora uma rota quase esquecida e sobretudo desconhecida do grande público.
Para mim, foi o primeiro contacto com a dura, trágica e desumana realidade da fuga de refugiados vindos da Síria .
O rio faz fronteira entre a Grécia e a Turquia e é, à primeira vista, um ponto de travessia bastante fácil. De caudal médio, bem menor que o nosso Douro ou o Tejo, o Evros espraia-se com uma correnteza furiosa por entre um cenário que nos recorda a Beira Alta.
Corria o ano de 2012 e começavam as primeiras vagas de pessoas fugidas ao horror sírio onde, a par com uma guerra fratricida, o Daesh tentava estabelecer o seu Estado Islâmico.
Muito embora se orientasse a visão pública para o que se passava nas ilhas de Lesbos e na italiana Lampedusa, a situação ali nas margens do Evros era já critica a ponto de se ter mobilizado para a zona grande parte das forças de segurança gregas.
Jamais esquecerei os rostos felizes dos resgatados duma das tantas ilhotas que o Evros tem, após terem estado quase uma semana sem água nem alimento . Entre eles estava um bebé e creio que foi então que acreditei em milagres: a criança sorria!!!
Nessa altura ainda não existia um serviço de Asilo e Refúgio grego e os militares e as demais forças de segurança não queriam assumir esse papel. Aliás, nem sequer havia estruturas para tal e, com imensa boa vontade (digam o que disserem o povo grego fez naquele momento, e sem grande publicidade, um esforço e um trabalho a todos os níveis meritório!), adaptaram-se estruturas abandonadas – escolas, postos de saúde, prisões e até estruturas agrícolas – para albergar os que eram intercetados na fronteira fluvial.
O Evros foi talvez o primeiro cemitério de gente em fuga. Não porque fosse um grande rio, como disse, mas devido às suas características e, sobretudo, à forma artesanal com que a travessia, por aparentar ser fácil, era feita.
Os botes de borracha faziam lembrar os barquinhos que as nossas crianças levam para a praia e que qualquer pequeno pau é capaz de furar. Não levavam as dezenas de migrantes que vemos agora nas notícias, mas também ali se amontoavam famílias inteiras.
A maior parte das vezes a travessia era feita pelo processo de “batelão”, ou seja, uma corda presa do lado turco, outra do lado grego e força dos braços exaustos dos que tentavam chegar à outra margem.
Escusado será dizer-se que grande parte destes barcos viravam a meio do percurso e eram destruídos e submergidos pela força da corrente.
Foram centenas de pessoas que ali morreram naquele outono, inicio de inverno de 2012.
Jamais esquecerei os rostos felizes dos resgatados duma das tantas ilhotas que o Evros tem, após terem estado quase uma semana sem água nem alimento. Entre eles, estava um bebé e creio que foi então que acreditei em milagres: a criança sorria!!!
Esta é ainda hoje uma das fronteiras mais procuradas por aqueles que tentam chegar à Europa vindos da Turquia. Muitos deles escaparam aos campos de refugiados turcos. Outros não conseguiram lugar nesses mesmos campos, fosse por questões religiosas (sim, sim!) ou por mera sobrelotação e ficaram, assim, ao deus dará sem teto, sem comida, sem nada e com uma única réstia de esperança: atravessar o rio.
Para a maioria de nós esta fronteira só foi conhecida e muito mal, agora aquando do incêndio que matou um grupo de migrantes. Desconhecemos que toda a região faz lembrar as nossas aldeias do interior, desertas de gente e de recursos, regiões deprimidas como é moda dizer-se agora. E, tal como nas aldeias portuguesas de fronteira nos idos do grande êxodo para França no século passado, também aqui florescemos pequenos negócios dos passadores.
Se bem que pouco conhecida, esta fronteira tem uma importância estratégica única.
Com efeito, perante uma Turquia que, de quando em vez, ameaça a Europa com a abertura das fronteiras e dos campos de refugiados, o Evros será o ponto nevrálgico deste fluxo que acontecerá mais dia menos dia.
Não querer resolver o problema na sua origem, empurrando as decisões para o “depois logo se vê” trouxe-nos a uma situação de não retorno.
A Europa, para além de cada vez menos importante no palco internacional, é também refém da sua displicência.
Fixemos o nome Evros e esperemos que não venha a ser conhecido como o rio dos mortos.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.