O que desde sempre moveu a humanidade em direção a Deus foi a finitude da vida.
Os ritos da morte revelam claramente esse temor do desconhecido, essa quase revolta em relação à inevitabilidade do fim da vida.
Explicar o inexplicável, sentir a segurança de alguma perenidade, eis o que nos leva a acreditar no incorpóreo, no mais além.
As grandes religiões monoteístas têm em comum a fé num ser com a capacidade de amar, seja a humanidade inteira, seja aqueles que o seguem. No final, o que todas projetam nos seus fiéis, é um roteiro em direção à paz e à harmonia. O que não invalida que, para a alcançar, não se travem guerras atrozes. Com efeito, nada foi tão mortífero ao longo da História como as palavras e preceitos atribuídos a Deus.
As cruzadas, os autos-de fé, as perseguições e, mais recentemente, os ataques terroristas em nome de Alá, o grande demonstram o que alguém um dia disse com profunda ironia: “Deus criou o Homem à sua imagem e semelhança e este retribuiu-lhe na mesma moeda.”
Independentemente da nossa fé ou da ausência dela, a Jornada Mundial da Juventude pretende ser um espetáculo de harmonia, jovialidade e espiritualidade.
Não deixam, porém, de ser um véu diáfano sobre uma realidade de intransigência e hipocrisia.
Quem são os jovens que rumaram a Portugal? Quantos puderam fazê-lo?
Participar nas JMJ implica um esforço financeiro enorme e são poucos os que o podem fazer.
De fora ficaram os jovens que nunca foram jovens. Os que não relevam para as estatísticas, os que não fazem parte dos coros em hossanas porque choram de fome, porque gritam de dor, porque têm os olhos vazios de futuro.
De fora ficaram os jovens que nunca foram jovens. Os que não relevam para as estatísticas, os que não fazem parte dos coros em hossanas porque choram de fome, porque gritam de dor, porque têm os olhos vazios de futuro
Aqui impõe-se uma declaração de interesse: tenho uma enorme admiração por este Papa e considero que a existência dum momento que envolva a juventude de todo o mundo em paz, fraternidade e comunhão é, a todos os níveis, de saudar. Fomentar a paz através dos jovens é a mais adequada forma de a promover mas não podemos nem devemos ater-nos apenas ao espetáculo sem olharmos mais além.
Estas são as jornadas dum determinado tipo de jovens e não da juventude. É um projeto económico com um retorno enorme. É um exercício de marketing nacional. Nada disto é negativo ou censurável. Mas há que dar o nome às coisas sob pena de nos deixarmos levar na espuma dos acontecimentos.
Quanto ao Papa Francisco, admiro-lhe a coragem, a sagacidade o humor a humildade e sobretudo a fé inabalável numa verdade nem sempre evidente.
Recordo o discurso feito no Senado norte-americano em que apontou o dedo à verdadeira ferida que contamina e fomenta todas as guerras: o comércio de armas. Claro e sereno, demonstrou essa realidade insofismável pela qual a guerra mais não é que um mercado de oferta e procura. Qualquer produto necessita de escoamento. As armas não são exceção e a sua produção obriga à existência de conflito. Tão simples e claro como isto.
Houve senadores que limparam lágrimas ao canto dos olhos. Houve palmas entusiasmadas. Houve emoção. O que não houve foi o silêncio da paz!
Mas este Francisco faz jus ao outro, ao que falava aos peixes porque os homens o não ouviam e continua a denunciar e a apelar à harmonia e à fraternidade. Pobre homem. Nem consigo imaginar o que seja o sentimento de impotência e de fracasso com que, ao fim do dia, se deita consigo próprio.
No entanto, e só por isso já merece a minha admiração, continua a lutar dentro duma estrutura que vive numa ostentação, numa opulência e numa impunidade ofensiva.
Os escândalos do banco Ambrosiano ou dos abusos contra menores devem causar-lhe um sentimento de frustração ao sentir-se manietado numa máquina com dois mil anos e que se vem afastando dos preceitos que, supostamente, um humilde carpinteiro terá definido como essenciais para entrar no reino dos céus.
A sua sagacidade tem-lhe valido longevidade. Tivesse ele assumido todo este percurso dentro dos muros do Vaticano e talvez algum tijolo lhe abrisse o crânio, como aconteceu com o nosso único Papa séculos atrás.
Erros? Falhas? Tem-nos evidentemente – e ainda bem caso, contrário não seria humano.
Apontam-lhos em relação ao conflito na Ucrânia, censurando-o por ainda não se ter deslocado àquele país, engrossando a peregrinação vã de altas figuras ao cenário de guerra.
Acontece que este Papa já demonstrou que, para ele, o importante não são os governos em si, mas as pessoas, as que sofrem, as que vivem e morrem sem saberem muito bem porquê. Deslocou-se a Lampedusa, às favelas, aos bairros dos mais desprotegidos e aí falou, não da recompensa eterna e etérea, mas de justiça, de dignidade e igualdade.
Francisco não é homem para embarcar em folclores.
Por isso estou em crer que a mensagem que passará a estes jovens que o aclamam será a consciencialização de que são privilegiados e que por essa razão têm a responsabilidade de mudar o mundo.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.