Naturalmente anestesiados com a evolução da pandemia, cuja culpa não se pode atribuir a ninguém sem se incorrer em teorias da conspiração que envolvam quem sabe que extraterrestres, apercebemo-nos apenas vagamente de como os tempos se afiguram de trevas e de recuo civilizacional.
Refiro-me naturalmente ao mundo em geral, cujo humanismo foi há muito suplantado pelas leis da economia e do poder geopolítico e que agora, à medida que as consequências de todo esse percurso se fazem sentir, nos coloca numa posição de desconfortável alerta e ansiedade.
Se fazem sentir, note-se, no mundo que nos interessa ou seja a Europa e os Estados Unidos, uma vez que noutros continentes todas estas situações deixaram há muito de ser novas.
E de que situações falamos?
Naturalmente dos movimentos migratórios e das alterações climáticas, dois factos que estão intimamente interligados e que têm vindo rapidamente a alterar o mundo como o conhecíamos.
Não tenho grande simpatia pela pequena Greta Thunberg ( talvez porque ela me faça lembrar onde falhou a minha geração), mas não posso deixar de concordar que em relação à ecologia no geral e às alterações climáticas em particular o que existe é mesmo muito blá-blá-blá e quase zero de ação.
É possível que agora que assistimos a variações tão súbitas de temperaturas, a fenómenos climáticos tão desastrosos quanto inesperados, do lado de cá do Primeiro Mundo (como se houvesse mundo de primeira, segunda e terceira, como nos comboios, de classe conforto à classe turística…) se atue de forma firme e consequente.
Até lá vamos assistindo à desertificação de grande parte do planeta que “empurra” um enorme contingente de pessoas para fora dos seus locais de conforto e residência em busca dum lugar onde sobreviver.
As respostas até ao momento têm sido duma desumanidade atroz, fechando em castelos e muralhas os bafejados pelo destino e deixando os desgraçados do costume num limbo cujo desenlace é, a maior parte das vezes, a morte.
Vemos os anúncios sobre o frio que assola os campos de refugiados, mas a maior parte das vezes preferimos ignorar até porque, felizmente, essas imagens ainda nos fazem doer o coração.
Ainda. Mas até quando?
Há muito vínhamos alertando para o facto contra natura da decisão de atribuição do estatuto de Asilo ou Refugiado se encontrar nas mãos duma polícia. Ou seja, a mesma entidade que dentro de determinados pressupostos securitários barrava a entrada a essas pessoas era a mesma que posteriormente analisava os pedidos de asilo ou proteção
Portugal tem tido um papel, se bem que demasiado discreto do meu ponto de vista, irrepreensível no acolhimento de refugiados.
Quando já ninguém lembra o tormento e o desespero do Afeganistão às mãos do regime talibã, eis que acolhemos duas centenas de jovens afegãos.
A notícia passou entre um e outro debate, entre esta e aquela curva pandémica, de tal forma, que poucos foram os que se aperceberam dela. E, no entanto, para que tal fosse possível houve todo um trabalho, uma logística, mas sobretudo um sentido de responsabilidade para com toda a humanidade, que Portugal e o seu Governo honrou.
Tal como foi completamente despercebida a passagem da questão do Asilo e Refugiados para a tutela da Presidência do Conselho de Ministros, concretamente para a secretaria de estado das Migrações e Integração, fundamentando assim uma promessa do programa do Governo, sufragada pelos eleitores e interrompida pelas questiúnculas políticas.
Há muito vínhamos alertando para o facto contra natura da decisão de atribuição do estatuto de Asilo ou Refugiado se encontrar nas mãos duma polícia. Ou seja, a mesma entidade que dentro de determinados pressupostos securitários barrava a entrada a essas pessoas era a mesma que posteriormente analisava os pedidos de asilo ou proteção.
Congratulamo-nos, pois, com esse passo em frente. E esperamos que outros se lhe sigam no propósito dum país inclusivo e aberto à imigração regular, da qual tanto precisa.
Mas as tais trevas a que me referia no início não estão fora de portas, não!
Quando começamos a dizer “bem… afinal o homem não quer dizer prisão perpétua, para toda a vida. É assim uma coisa mitigada” ou “O RSI é uma mina que atrai imigrantes que vêm para aqui viver às nossas custas (quando realmente, feitas as contas entre o que descontam e o que auferem, contribuem com cerca de 8 milhões de euros para o nosso sistema social) ou “os ciganos (e porque não os negros, os judeus, os ateus ,os cristãos por aí fora…) não querem é trabalhar. São subsidio dependentes” estamos já a um passo do retrocesso e da negritude da História.
Muitos de nós olhamos estes duelos verbais com a incredulidade de quem esperava ouvir soluções, propostas para questões fundamentais como a demografia e o ambiente. Nada. Praticamente zero.
A grande maioria dos partidos circunscreve-se a questões de carater económico, esquecendo que, sem planeta ou pessoas, a economia é inexistente.
É o que faz o cheiro a poder e a milhões, que paira no ar.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.