Dois assuntos que, aparentemente nada têm que ver, mas que demonstram bem quão limitadas são as nossas perceções da realidade dentro de gabinetes atapetados.
O primeiro tem a ver com a vergonhosa situação de genocídio que se está a passar em Cabo Delgado e que leva já praticamente dois anos.
Se houve uma voz lúcida e clara foi a de Fernando Ventura nesta terça-feira, 16, no seu comentário sobre a situação. Foi brutal o que disse. Deve ter chocado por segundos os que consideram que há coisas que devem ser ditas politicamente mais de forma mais correta. Ele não! Ele chamou, em bom português, os bois pelos nomes e colocou não o dedo, mas a mão inteira na ferida.
Nunca como hoje tivemos tantas organizações internacionais, governamentais ou não, a agir em prol da liberdade, da segurança, da democracia, dos sem voz, da saúde, dos mais pobres… Pelo menos é o que nos querem fazer crer.
Acontece que hoje o mundo tornou-se um lugar muito pequeno e instantâneo, e não há como esconder a realidade: ela entra-nos casa adentro sem quase pedir licença e, se pensarmos por um centésimo de segundo, conseguimos ver quão nu vai o rei.
A maior parte destas organizações existem para e por si! Digladiam-se entre elas para conseguir o subsidio Y ou Z. O apoio deste ou daquele para projetos tão megalómanos quanto inócuos. Mas lucrativos, ah, disso não tenhamos a mais pequena dúvida!
É apenas uma questão de mera aritmética: se existem tantos projetos de cooperação com países menos desenvolvidos, projetos de saneamento, habitação, saúde, segurança… porque razão continuamos a assistir a imagens e relatos que chocam o mais empedernido? Das duas, uma: ou são completamente incompetentes ou a maioria dos projetos não chega a sair do papel. Não há terceira alternativa. Ou melhor há, mas é tão monstruosa que melhor é nem sequer a colocar como hipótese.
Evidentemente que nem todas as organizações internacionais, governamentais ou não, são nulas. Por norma, as mais pequenas, aquelas cujas máquinas não são tão pesadas, são as que melhor funcionam.
E que dizer dos países que, pura e simplesmente, se demitem dos seus papéis de solidariedade deixando a decisão e a ação nas mãos de outros?
O que se passa em Cabo Delgado não tem muito que ver com radicalismo islâmico. Esse é o argumento, a desculpa. O que se passa é uma luta pelo poder duma terra rica em matérias primas nobres. Os senhores da guerra não nascem de debaixo das pedras! São criados, apoiados, defendidos às vezes por governos ditos democráticos.
Escrevi-o na semana passada e volto a dizê-lo: um documento que não impeça a mobilidade, mas que identifique e promova medidas para que o indivíduo com potencial risco de contágio possa ser encaminhado em termos sanitários? Perfeito.
Agora, um passaporte? A existência ou não dum passaporte é a diferença entre poder mover-se ou ficar refém duma situação por vezes inumana
A UE não tem as mãos completamente limpas neste assunto.
E aqui entronca um outro que, aparentemente, nada tem que ver com o anterior. O passaporte sanitário!
Escrevi-o na semana passada e volto a dizê-lo: um documento que não impeça a mobilidade, mas que identifique e promova medidas para que o indivíduo com potencial risco de contágio possa ser encaminhado em termos sanitários? Perfeito.
Agora, um passaporte? A existência ou não dum passaporte é a diferença entre poder mover-se ou ficar refém duma situação por vezes inumana.
Imaginemos que uma destas famílias de Cabo Delgado ou de outro local qualquer tem uma hipótese de fugir ao horror do que está a viver na sua terra.
Digam-me cá: onde raio vai buscar o dito passaporte?
Claro que se fomenta de imediato a falsificação de documentos e o as máfias de auxilio à imigração ilegal.
É isto que pretendemos?
Sou a primeira (se calhar não, porque somos milhares) a querer viajar, a querer voltar ao normal (seja lá o que isso for), a querer que a nossa economia retome a sua tendência crescente que, como é bem sabido, assenta em muito no turismo.
Mas não a qualquer preço!
O passaporte sanitário é, do meu ponto de vista, um retrocesso no percurso humanitário e de inclusão de que Portugal tem dado mostra e pelo qual tem sido elogiado.