É da vida e dos livros de História que, em tempos de crise, as primeiras vítimas são os grupos mais vulneráveis e, entre estes, naturalmente, encontram-se as comunidades imigrantes.
Pouco ou nada se sabe da incidência do vírus nestas comunidades, embora as diversas associações tenham identificado um número reduzido de infeções nestes grupos.
Mas, atendendo à dificuldade destas pessoas em aceder aos sistemas de saúde, tais números poderão não corresponder à realidade. O nosso Sistema Nacional de Saúde é, no entanto, o mais abrangente e universal que conheço, não deixando que ninguém, seja em que circunstância for, fique impedido de tratamento.
O outro fator, que resultou duma pequena pesquisa efetuada junto destas associações de apoio, foi a dificuldade de instaurar medidas de distanciamento social, aliadas ao confinamento, junto de comunidades que vivem em situações habitacionais muito precárias
A grande questão reside sobretudo na falta de informação, aliada a um certo receio e à burocracia que envolvem.
Comecemos, então, pela falta de conhecimento deste direito básico consignado na Constituição. Não se trata apenas dum desconhecimento por parte dos imigrantes, mas também por vezes por parte dos profissionais de saúde. Um imigrante irregular tem direito a ser atendido no SNS? Numa palavra única, sim. A regularização da sua situação em Portugal não compete às autoridades de saúde. Acontece que muitas destas pessoas receiam ser denunciadas pela sua situação e, como tal, evitam recorrer aos hospitais e centros de saúde. Nestes últimos, onde podem sempre ser vistos por um médico como qualquer cidadão nacional, só lhes é atribuido médico de familia caso tenham a sua situação devidamente regularizada. Ora isto coloca questões muito complicadas, uma vez que, em grande parte dos casos, a sua situação como irregulares não lhes pode ser imputada, mas sim à burocracia do Estado, que não responde em tempo útil. A questão é ainda mais evidente e absurda quando está em causa, por exemplo, um reagrupamento familiar. Casos há em que o detentor do direito (que já se encontra em Portugal, devidamente regularizado, inserido no mercado de trabalho, contribuinte e, como tal, possui já um médico de família) não pode solicitá-lo para a família que, entretanto, com ele se reuniu porque esta ainda não tem “os papéis” em ordem. Toda esta situação, aliada muitas vezes ao obstáculo da língua, torna o acesso à saúde por parte destas pessoas numa verdadeira dor de cabeça!
Assim, evitam ser vistos pelo médico, dirigir-se ao hospital ou a outra unidade de saúde. Em tempo normal, é preocupante. Em tempo de pandemia, pode tornar-se assustador.
O outro fator, que resultou duma pequena pesquisa efetuada junto destas associações de apoio, foi a dificuldade de instaurar medidas de distanciamento social, aliadas ao confinamento, junto de comunidades que vivem em situações habitacionais muito precárias. Condições essas que se tornaram ainda mais periclitantes com o encerramento do comércio e da restauração, setores que absorvem grande parte destes fluxos migratórios e que lançaram para o desemprego uma vasta maioria. Se até ao início deste estado pandémico a partilha de casa era já uma prática corrente, neste momento, assiste-se à cohabitação de várias famílias no mesmo espaço.
Talvez fosse de equacionar um programa de testagem a esta população que, por regra, escapa às estatísticas, através e com o apoio das associações de cada nacionalidade, garantindo o anonimato e permitindo aumentar o grau de confiança.
Promover-se-ia, numa grande maioria de casos, um primeiro contato com o sistema de saúde, podendo fazer-se um despiste de algumas patologias a uma população fragilizada e muitas vezes sem recursos.