“Prince is dead“. Assim mesmo, entre aspas, era o destaque de um texto da revista Time Out londrina num artigo de 1995. Uma frase que ganharia um sentido esmagador e definitivo no dia 21 de abril de 2016. Nessa altura, há mais de duas décadas, quem a dizia era o próprio Prince, então com 37 anos. E acrescentava: “Mataram-no”. Quem falava, na verdade, era o célebre Artista Anteriormente Conhecido Como Prince. Ao mesmo tempo que denunciava esse crime homicida da indústria musical (especificamente da sua editora, a Warner) sobre a sua liberdade artística, afirmava uma nova identidade, um movimento que tentava levar muito longe. O entrevistador da Time Out, Peter Paphides, confrontava-o com a súbita disponibilidade para entrevistas, agora que tinha uma mensagem para passar. Resposta do músico: “Bem, é verdade que o Prince não costumava dar entrevistas. Terá que perguntar ao Prince porque é que ele não costumava dar entrevistas. Mas agora não está a falar com o Prince. Está a falar comigo”.
A sua luta, dizia, era pela libertação da música. “Neste momento não sou proprietário da minha própria música”, queixava-se. Nem da sua estratégia, acrescentava. Prince queria editar muito, a Warner achava que era melhor não. “Trabalho no duro, com os melhores músicos do mundo. Trabalhamos o dia todo. Mas esses tipos na editora, os proprietários da minha música, vão para casa às seis da tarde! E são eles que controlam a minha música. Está a perceber porque é que agora não há espaço para conversas entre mim e eles?”. Esta guerra aberta levou-o a transformar-se num símbolo. Literalmente: um símbolo para fugir a todos os contratos assinados com/por Prince. Procuro no Google esse símbolo para o reproduzir aqui. Não dá. É tema de grandes discussões, mas não existe em nenhum teclado, não é possível fazer um simples copy/paste. Há esta rude alternativa: Ƭ̵̬̊. Mas o também chamado Love Symbol, mistura estilizada dos símbolos de masculino e feminino que passava a definir a identidade do ex-Prince, não se pode escrever. Nem nomear. Prince foi a estrela rock planetária que se transformou num nome que não pode ser dito nem escrito, obrigando a essa dramática fórmula “artista antes conhecido como Prince”. E, parecendo que não, era mesmo a sério, semiologia pop na sua máxima sofisticação. Na época, foi mesmo um problema tipográfico à altura dos piores pesadelos de Gutenberg que se resolveu com a editora a enviar uma disquete para as redações dos jornais com o novo nome do artista pronto a imprimir.
Foi, assim, símbolo e percursor de uma luta de vários artistas pela total autonomia e independência em relação às indústrias discográficas multinacionais (de que os Radiohead serão um dos exemplos mais claros). Já no século XXI, apontaria também armas às grandes plataformas online como o YouTube pela sua permeabilidade à difusão de música sem qualquer retorno para os autores. Enquanto travava estas lutas foi-se tornando, na verdade, para o grande público, no “artista anteriormente conhecido por fazer grandes hits” (Cream, de 1991, foi a última canção de Prince a chegar ao primeiro lugar do top da Billboard). Mas era um homem livre e que não tinha sido esquecido, como se viu em Lisboa, em 2013, quando anunciou de surpresa, em cima da hora, um concerto num Coliseu dos Recreios que esgotou rapidamente. Em 2014 voltaria a assinar um contrato com a Warner, que não chegou a ter um efeito muito visível na sua carreira.
E a música? Não serei a pessoa certa para falar. De Prince vi um dos mais esquecíveis concertos da minha vida (recordo vagamente uns néons coloridos com a palavra “God” a piscar no Pavilhão do Atlântico). Reconheço a força e eficácia nas pistas de dança de uns quantos hits da década de 80, inícios de 90, reconheço obviamente o seu lugar de destaque na história do funk, mas aquela expressão “génio de Minneapolis” sempre me pareceu desajustada à minha escala pessoal de genialidades. Viva a liberdade e a independência.