Ao contrário do que acontece em mercados editorais mais dinâmicos, não é comum em Portugal encontrar livros documentais sobre a nossa história recente, escritos para todos, com o ADN de um texto jornalístico. Temos, cada vez mais, publicações sobre assuntos da nossa História (em 2010 houve mesmo um tsunami de livros sobre a República) e, também cada vez mais, nos últimos anos, livros que se colam à atualidade, à espuma do quotidiano, levando para as prateleiras de livrarias e hipermercados temas como o homicídio de Carlos Castro ou o caso Maddie (por norma, aparecem tão depressa como desaparecem).
Este O Independente, A Máquina de Triturar Políticos, de Filipe Santos Costa e Liliana Valente (da matéria-prima edições) situa-se numa zona cinzenta, menos habitada. Conta, e muito bem, histórias com vinte e tal anos, com protagonistas que, em muitos casos, ainda nos habitam os dias. É ao mesmo tempo História e material ainda vivo… Filipe Santos Costa, atual jornalista do Expresso depois de ter passado por sete redações (a d’O Independente incluída), tem lamentado que este livro demorou muito a concretizar. Na verdade, os autores (e, já agora, a editora) não podiam ter escolhido um melhor timing… A animada indefinição política que vivemos hoje estimula o apetite pelos bastidores e pela chamada «intrigalhada», de primeira, segunda ou terceira ordem, que habitam estas páginas. E este tratamento da história recente, estimulador de memórias, permite bons momentos de diversão. Podemos mesmo dizer que diacronia é muito mais divertida que a sincronia… Olhamos para Paulo Portas enquanto jovem, aguerrido e irreverente jornalista e dificilmente imaginamos que ele será vice-primeiro-ministro de um Governo controlado pelo PSD. Revisitamos a obsessão anti-Cavaco Silva, que, enquanto primeiro-ministro, foi alvo de 91 manchetes d’O Independente entre 1988 e 1995 e era tratado naquelas páginas, renovadas todas as sextas-feiras, como «bimbo», «salarzinho de subúrbio», «maníaco» ou «vulgar» (uns poucos exemplos entre muitos do mesmo calibre) e parece-nos impossível que o político que mais desejavam triturar se torne Presidente da República em dois mandatos, um dos quais convivendo com Paulo Portas como figura destacada do Governo… Lemos Paulo Portas sobre Marcelo Rebelo de Sousa (na sequência do chamado «caso da vichyssoise») – «Quem um dia disse que Marcelo Rebelo de Sousa é tão diabólico que mordia a própria cauda, acertou»; «…a temível tendência para a confusão que gera, em qualquer grupo, a presença de Marcelo», alguém «que foi traindo com tranquilidade vários dos personagens que já representou na vida» – e não acreditamos que esse personagem seja, um dia, o mais do que provável sucessor de Cavaco Silva em Belém… Ler este livro é, também, perceber que há uma enorme dose de imprevisibilidade na vida de um País, nas nossas vidas, mesmo – ou sobretudo – quando estratégias são cuidadosamente desenhadas precisamente para traçar caminhos bem definidos em direção ao futuro.
Claro que O Independente foi muito mais do que «máquina de triturar polítcos» e do que a «política escondida com jornal de fora» de que falam os autores. Há mais História(s) do Indy por fazer. Foi também um projeto estético, um estilo, uma nova vaga, páginas arejadas paradoxalmente dependentes de um projeto dito «conservador». No prefácio, Vicente Jorge Silva fala do «carácter híbrido do Indy, combinando um aparente cosmopolitismo cultural protagonizado por MEC com o conservadorismo supostamente rebelde de PP».
Para mim, que tinha 16 anos quando O Independente foi lançado, era esse lado estético o mais sedutor. Hoje, se penso n’O Independente ocorre-me imediatamente a imagem de Miguel Esteves Cardoso a guiar um Range Rover pela A5 fora ouvindo Joy Division em altos berros (devo ter lido isso algures, num dos seus textos, ou então é só um boa falsa memória). E não é que não me interessasse por política, mas muitas vezes encantavam-me mais os trocadilhos dos títulos do que o conteúdo dos textos («O império da fórmula triunfava sobre o conteúdo e a coerência ética do jornalismo», escreve ainda VJS no prefácio). Os trocadilhos (e as criativas legendas) do Indy, os Pregões e Declarações do Blitz e o delirante Escrituralismo, de José Sesinando, na última página do Jornal de Letras, faziam-me feliz. Bons tempos.