Se um génio da lâmpada concedesse três desejos a António Costa para emendar erros do passado, um deles seria provavelmente a reversão da privatização da TAP. Apesar de esta ter sido feita nos moldes que conhecemos – a empresa foi quase oferecida a David Neeleman, que a comprou com o pelo do cão num golpe de 444 milhões de euros –, trazê-la para a esfera pública, além de custar 3,2 mil milhões ao erário público que jamais serão recuperados, meteu dentro do seu Governo um ativo cada vez mais tóxico. Um imbróglio político peçonhento, que acabou por crispar os ânimos contra o Governo, deu argumentos à oposição e já fez rolar a cabeça de um ministro, de um secretário de Estado, da CEO, do chairman… e veremos se fica por aqui.
O problema é do tamanho de um porta-aviões: a TAP é, há décadas, palco de gestão ruinosa, más práticas, abusos e compadrios – uma companhia governada, com opacidade, conforme as conveniências momentâneas, com as condições de uma empresa privada num setor altamente concorrencial, mas com os direitos de uma empresa pública, quando é preciso tapar buracos. Os portugueses, que gostam muito de ter uma empresa de bandeira até se confrontarem com regalias e salários principescos e, sobretudo, até meterem lá dinheiro do seu bolso, começaram a perder a paciência.
Em janeiro de 2022 uma sondagem já revelava que metade dos portugueses discordava da intervenção estatal, há cerca de duas semanas 61% pediam a privatização e três quartos a demissão da administração. Pelo meio, a indemnização milionária paga à margem da lei a uma administradora que seguiu viagem para outra empresa pública e depois para o Governo, da qual primeiro ninguém sabia nesse mesmo Governo, mas que depois, afinal, tinha mesmo sido autorizada pelo ministro por WhatsApp, mas da qual ninguém se lembrava… até ver subitamente refrescada a memória. Um enredo digno de um ranking de histórias mal contadas, que é como quem diz, das tentativas de tomar os cidadãos por parvos.
O relatório da Inspeção-Geral de Finanças esta semana revelado vem escancarar o que já se intuía: a TAP é um campo minado de irregularidades e uma conta-corrente de dores de cabeça para o Governo. E a maior mina rebentou aos pés de Pedro Nuno Santos.
Ele, que chamou a si o dossier da TAP com aquele fervor de fazer “tremer pernas”, acompanhava cada decisão da empresa ao detalhe e zelava pelo cumprimento do plano de reestruturação, sabe-se agora, foi o primeiro a ser informado da intenção da CEO de fazer cessar as funções de Alexandra Reis. Foi depois acometido por uma estranha e temível amnésia coletiva – que contaminou também o seu secretário de Estado e a sua chefe de gabinete (que está em funções agora noutra pasta) – para mais tarde, à beira da Comissão de Inquérito, “reconstruir a fita do tempo” e se recordar de que tinha dado mesmo um OK a esse detalhe financeiro de vários dígitos nesta saída, sem avisar as Finanças. Negligência, irresponsabilidade, mentira?
A sua demissão, tal como a do seu secretário de Estado, Hugo Mendes, esvazia em boa parte a investigação parlamentar que aí vem, mas as falhas e trapalhadas ficam com quem as praticou, somam-se ao grave episódio sobre o anúncio da solução para o aeroporto que o obrigou a emendar a mão, e oneram seriamente a sua carreira. Na política a memória é curta, já se sabe, mas esta não é apenas uma luta fratricida dentro do PS – é também uma luta pela sobrevivência deste Governo, fragilizado por casos e casinhos, e desde há mês e meio em modo de condução de emergência, e Pedro Nuno é o elo mais fraco. Tal como a CEO da TAP, cuja cabeça foi entregue numa bandeja para assegurar uma “recuperação de confiança” e um “virar de página”, nas palavras de Fernando Medina, que está na mira da oposição embora não fosse ministro na altura dos factos. Christine Ourmières-Widener, que deixa a TAP a dar lucro, foi, claro está, enganada: terá pensado que vinha trabalhar para uma empresa pública normal num país com um quadro legal claro e um Governo responsável, e afinal aterrou em Portugal…
Chegados aqui, sobra isto: apurem-se as responsabilidades, preparem-se para disputas nos tribunais e despache-se a TAP o mais depressa possível. O País já não aguenta tanto disparate.
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