Vi o SMS do nosso amigo e não consegui deixar de sentir uma pontinha de inveja. “Aqui a vacinação para a Covid-19 vai muito rápida. Já há muita gente vacinada! A minha filha deve receber a sua vacina daqui a duas semanas”, anunciava, feliz, este americano que vive entre Portugal e a Califórnia. O meu pai guarda o telemóvel no bolso e encolhe os ombros, do alto dos seus 70 anos que leva com descontração. Já foi operado ao coração de peito aberto, mas não está incluído no grupo de prioritários, nem faz ideia de quando vai receber a sua primeira dose.
Num só dia, a 13 de março, os EUA vacinaram 4,5 milhões de pessoas. Se mantiverem este ritmo, em maio 50% da população já terá, pelo menos, recebido uma dose e em junho chegarão à marca dos 70%. Ao dia em que escrevo, 38 em cada 100 norte-americanos já foram pelo menos parcialmente vacinados, e 25% da população já está completamente vacinada. No Reino Unido – abençoado seja o seu Brexit –, a situação consegue ser ainda melhor: 42% da população já recebeu uma dose. Já os números do nosso embaraço são idênticos aos dos alemães e dos franceses – apenas 13 em cada 100 pessoas já receberam uma dose, com cerca de 9% da população parcialmente vacinada e 4% já inoculada. Nisto, para variar, somos todos iguais: europeus à espera de vacinas. Só que uns desesperam mais do que outros.
O Nobel Paul Krugman, no NYT, chamou-lhe “um desastre muito europeu”, e perante o caso de o Reino Unido ter quase cinco vezes mais população vacinada do que a Europa, diria que não se excedeu. Está na hora de encarar o que é por demais evidente: a estratégia de vacinação europeia está a revelar-se um fracasso. Um falhanço só equivalente à forma tão calamitosa como a União Europeia geriu a crise das dívidas soberanas.
A Comissão Europeia e Ursula von der Leyen chamaram a si a responsabilidade desta gestão de crise. A ideia era ir ao mercado em bloco, conseguir os melhores preços e as condições mais seguras e eficientes. Mas depressa um bem-intencionado plano centralizado de compra se transformou num jogo do “apanha a vacina”, em que a UE parece estar a ser fintada por todos os lados. Mais uma vez, a UE não foi capaz de perceber que o que normalmente seria bom senso, numa emergência pode ser destrutivo excesso de zelo. Depois da austeridade orçamental da crise da dívida, temos agora a austeridade da crise pandémica. E esta forma de trabalhar e de seguir tudo formalmente “como mandam os livros” fez com que a Comissão tivesse adotado uma postura cautelosa com as farmacêuticas, procurando poupar nos custos sem investir seriamente na investigação. Tudo isto ditou atrasos nos processos de aquisição e o incumprimento dos prazos de entrega. Prazos estes que não estavam juridicamente bem acautelados nos contratos. As farmacêuticas agiram mal e falharam compromissos? Com certeza. Mas a Europa não conseguiu negociar bem nem elevar-se à grande potência que aspira a ser.
O resultado está à vista: estamos perante um imbróglio, com ameaças de recurso a ações judiciais contra as farmacêuticas e até mesmo de assunção do controlo da produção e da distribuição de vacinas e a suspensão das exportações para países com capacidade de produção. Sabemos que a recuperação económica é determinada pelo plano de vacinação. Para todos os 27 países da UE cada dia conta, mas para os mais pobres é determinante que não se perca tempo.
Na reunião do Infarmed de terça-feira, foi anunciado que o ritmo de vacinação em Portugal vai acelerar em abril. Mas o amargo de boca de nos vermos a ficar para trás vai demorar a passar. Não é de estranhar que mesmo os europeístas mais convictos comecem a questionar-se sobre o que nos une, afinal, quando, na hora H, mais precisamos da Europa e ela volta a não se sair bem. Ainda gosto de pensar que juntos somos mais fortes, e que juntos saímos melhor disto – mas não faltam argumentos populistas para dizer o contrário.