“Por muito bela que seja a estratégia, deve-se ocasionalmente olhar para os resultados”, já dizia Winston Churchill, esse estadista britânico que por esta altura deve estar, perdoem-me o abuso da metáfora, às voltas no túmulo. Pouco mais de uma semana depois do Brexit, e o cenário desta perigosa estratégia apresenta-se como desolador. Digno de uma tragédia de Shakespeare, com voltefaces e jogos de poder, salpicados de ambição e traição.
Viu-se de tudo um pouco neste momento histórico. Um Reino cada vez mais desunido, onde sobressai mais o que separa aqueles países do que o que os une. Um jovem líder (David Cameron) que, para calar a contestação interna no seu próprio partido, joga o futuro do país num referendo de desfecho imprevisível e com consequências incalculáveis. Um jovem ambicioso (Boris Johnson) que trai o amigo e líder do partido para ir mais longe, e que por sua vez é ele próprio traído pelo braço-direito que lhe passa a perna (Michael Gove), se lança a candidato a primeiro-ministro e o obriga a desistir da corrida. Duas mulheres (Theresa May e Andrea Leadsom), inteligentes e sensatas, que acabaram por ficar à frente na corrida interna dos Conservadores e passar a perna ao traidor do traidor.
Como se não bastasse, soma-se um homem à direita da direita (Nigel Farage) que fundou um partido (o UKIP) e fez do Brexit a sua principal campanha, e que também sai de cena na hora de implementar o que andou a defender. Alegou que “quer a sua vida de volta”, ou talvez a perspetiva da sua nova vida perante o cenário que vendeu aos britânicos não seja assim tão entusiasmante…
O cenário agora mais do que certo é o de será uma mulher a próxima primeira-ministra britânica. Vem aí uma nova Thatcher, lê-se um pouco por todo o lado, falando-se mais em sexo do que em ideias. Num texto do Guardian (obviamente escrito por alguém com dois cromossomas X, atrevo-me a dizer), sublinhava-se que começava a prevalecer a convicção generalizada de que é preciso uma mulher para meter ordem no caos em que os homens deixaram a nação.
Por ironia, a candidata favorita, à frente nas sondagens (valham elas o que valerem, que nos últimos tempos parece ser muito pouco) foi contra a saída, mas provavelmente terá de ser ela agora a negociá-la. À boa maneira de uma democracia madura, e com os melhores spin doctors por trás, Theresa May já veio dizer que nomeará um ministro para a pasta que seja eurocético. Só terça-feira tudo fica decidido.
Com tudo isto, surgiu uma nova buzzword: o Breversal (Brexit + Reversal), ou seja, o recuo estratégico. Os ingleses podem adiar acionar o artigo 50 que inicia o processo de negociação para a saída. Como o referendo não foi definido como vinculativo, o tema tem de ser aprovado pelo Parlamento britânico, e quanto mais tempo passa, mais cenários se podem abrir. Um eventual acordo com a UE pode vir a ser referendado de novo. E tudo pode acontecer…
Uma vez que quase metade dos britânicos não queria de facto sair da União, surge como hipótese uma nova negociação de um modelo à norueguesa, que permitiria acesso a um mercado único em troca de “alguma” liberdade de circulação de pessoas e “alguma” contribuição para um orçamento comunitário. Tudo isto, claro, se os parceiros europeus, nomeadamente a França e a Alemanha, estiverem pelos ajustes.
O desfecho mais provável para esta situação calamitosa continua a ser o Brexit. Mas não se deve pôr de lado a possibilidade, como lhe chamou a Economist, de um deselegante, humilhante, mas apesar disso, desejado Breversal.