Em matéria de política de saúde, os portugueses confrontam-se com uma relação complexa entre o significativo aumento da despesa, dos meios humanos e do investimento ao longo da última década, e uma sensação de frustração crescente com a resposta do SNS. Surpreendentemente, o período mais crítico, os anos da pandemia, foi aquele em que os portugueses ficaram mais reconhecidos à heroica dedicação e capacidade de resposta dos profissionais do sistema público de saúde.
Mas, superada a pandemia, sobreveio uma crescente impotência coletiva face à incapacidade em dar médico de família a todos os cidadãos, ao crescimento da rede de hospitais privados por todo o País, bem como à dificuldade do SNS em fixar quer os especialistas qualificados desviados pela sedução das remunerações e condições de trabalho no setor privado, quer os jovens profissionais desinteressados da ideia de fazer carreira no SNS.
Para esta situação complexa, Luís Montenegro prometeu soluções simples, rápidas e de resultados imediatos, com um Plano de Emergência apresentado logo em maio de 2024.
Desde então, a degradação do setor acentuou-se, com a maior dependência de sempre de médicos contratados à hora, o caos no atendimento da linha SNS 24, o permanente carrossel de urgências fechadas e o aumento dos utentes sem médico de família atribuído.
A gestão política é simultaneamente geradora de insegurança, mostra permanentemente uma declaração de irresponsabilidade perante todos os problemas e é uma fonte de instabilidade e de perda de confiança para os profissionais e os utentes.
Desde os quatro Presidentes do INEM, ao qual a ministra passou a dedicar 70% do seu tempo quando tirou a confiança à Secretária de Estado, aos três Diretores Executivos do SNS, até à limpeza das “lideranças fracas” dos hospitais substituídas por apaniguados do PSD, entretanto já acusados de enganar a ministra como sucedeu com a solução para a obstetrícia do Garcia de Orta ou no caso da morte da grávida e da criança no hospital Amadora-Sintra, a sensação de desnorte é total.
Perante o descalabro total da sua gestão, Ana Paula Martins optou de forma desnorteada pela fuga em frente, apontando agora como causas da situação os tradicionais alvos da verborreia da extrema-direita. As causas principais das dificuldades do SNS são, nesta nova fase do montenegrismo sanitário, o afluxo descontrolado de utentes imigrantes, que nem falam português nem sabem recorrer à linha SNS 24, e a corrupção nos hospitais.
Por isso, toca a inventar mais uma entidade, destinada a combater a fraude no SNS, liderada pelo mediático juiz Carlos Alexandre, que nunca geriu nada, que vai exercer um cargo político e não uma função judicial e ficou conhecido por ao longo de 20 anos ocupar o lugar num tribunal em que era o único juiz, recusando até a promoção a desembargador, e ser conhecido por carimbar todas as propostas do Ministério Público sobre investigações e medidas de coação.
Para além da distração das atenções sobre a falta de médicos na região de Lisboa, o novo modelo das urgências e a difícil negociação com os tarefeiros, ninguém ainda percebeu quais são os poderes da Direção Executiva do SNS, da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde, da Inspeção-Geral de Finanças ou da Entidade Reguladora da Saúde que vão passar para a nova entidade anti-fraude. A única certeza é que não poderá exercer competências que cabem à PJ, ao MP, ao Tribunal de Contas ou aos tribunais criminais.
Ao fim de 18 meses de propaganda enganosa na área da saúde, com resultados confrangedores para a confiança dos cidadãos no SNS, da tentativa fracassada de convencer os portugueses que a solução era colocar militares na direção do SNS e do INEM e a Força Aérea a assegurar a emergência médica, a nova solução desesperada de Ana Paula Martins é o recurso ao justiceiro que irá limpar todas as nódoas do sistema, desde o acesso de imigrantes ilegais aos médicos corruptos.
Ao fim de todas estas correrias de cabeça perdida, culpando todos menos a própria, diria que a única certeza que Carlos Alexandre pode já ter é que a gestão de Ana Paula Martins é uma fraude política que merece mais um prémio Laranja muito Amarga.
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