Querida avó,
Uma das frases que mais gosto de te ouvir dizer é: “Sempre tive os amigos que quis, os empregos que quis, os homens e os filhos que quis …”
São tão poucas as pessoas, principalmente mulheres, que se podem gabar de terem tido a vida que quiseram!
Sempre foste uma grande mulher, com um coração enorme, com muito amor para dar.
Por falar em grandes mulheres que sempre fizeram o que quiseram, fui recentemente à apresentação do livro Eunice Muñoz – Fotobiografia. Uma belíssima edição da editora Guerra e Paz, com o patrocínio da Gulbenkian.
Uma obra que Eunice não chegou a ver. Estava a ser produzida para uma futura surpresa da atriz.
Estes Retratos Contados de Eunice Muñoz são um belíssimo arquivo de memória para partilhar com todos. Um livro que revisita, cronologicamente, os momentos mais marcantes, mais simbólicos, mais dramáticos da vida da atriz, desde as origens artísticas da família à estreia em palco no Teatro Nacional D. Maria II, aos 13 anos, passando também pelos grandes papéis em teatro, cinema e televisão.
Uma mulher com muito amor para dar. Caso contrário não tinha casado seis vezes.
O meu destaque vai para o amor à arte que foi dado pela Eunice. Ao longo de 80 anos de uma carreira brilhante e multifacetada, em que contracenou com uma legião de grandes atores e encantou milhares de portugueses com a sua forma única de representar.
Uns identificam-se mais com os papéis que representou no palco, outros com as novelas em que participou, mas ninguém fica indiferente a esta carreira de sucesso.
A atriz Maria do Céu Guerra foi uma das personalidades a apresentar o livro.
Partilhei com ela o quanto tu gostas da “Corcovada”.
Quem sabe um dia venha a realizar uma exposição sobre ambas. Eu gostava!
Que bom é viver num País que tenha tido alguém com a Eunice mundo das artes.
Pelo que sei a venda do livro foi um sucesso na Feira do Livro.
Bjs
Querido neto
Realmente a Eunice Muñoz foi das grandes artistas que tivemos.
Mas, felizmente, não foi a única.
Os tios que me criavam gostavam muito de teatro e levavam-me sempre com eles. No final dos espectáculos “largavam-me” e eu podia entrar nos bastidores dos teatros e falar com os actores e atrizes. O porteiro do Nacional—o Sr. Acácio—já me conhecia e assim que me via dizia “entre lá, menina, entre lá!”
E foi assim que eu ainda conheci a Palmira Bastos (deu-me uma fotografia com uma linda dedicatória!), que vi não sei quantas vezes em As Árvores Morrem de Pé (e de quem tive o prazer de conhecer agora uma neta ,que vive aqui na Ericeira), a Brunilde Júdice, a Maria Matos, a Josefina Silva, etc, etc.
Quando conheci a Eunice, eu já era adulta e, para além de ver os espectáculos, ia sempre fazer-lhe uma entrevista para o jornal.
Uma vez — quando os jornais tinham muitas folhas e havia poucas coisas de que falar— o meu chefe de redacção do Diário de Notícias mandou-me fazer uma série de reportagens com o título geral de “Como se faz…”. “Como se faz uma peça de teatro”, “Como se faz uma Ópera”, “Como se faz um Concerto”, etc.
Então eu seguia durante vários dias os ensaios de uma peça, de um concerto, etc.
A peça que me calhou foi Mãe Coragem, que ia ser interpretada pela Eunice. O encenador (que por acaso era—e é — meu amigo) sabia que eu lá estava, mas isso não o perturbava nada. Eu nunca tinha visto tanta rigidez nos ensaios! E o estranho é que ela não reagia, não se indignava! Depois dos dias todos em que lá estive é que eu percebi, a Eunice adorava ser dirigida assim. Dava-lhe confiança, dizia. E a verdade é que a estreia foi um espectáculo admirável, das melhores coisas que eu vi a Eunice fazer.
E também gostei muito de a ver fazer, ao lado do Raul Solnado, a série televisiva A Banqueira do Povo. A RTP-Memória bem podia apresentá-la outra vez.
Fica bem.
Bjs
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