Como as andorinhas, a silly season volta ao País enquanto poema do regresso ao normal. Depois do verão passado, alarmante e alarmista, as parvoíces de agosto retornam como prenúncio de melhores ventos. Os portugueses metem férias em massa, a esperança assobia, o descanso é possível, os políticos cirandam em chinelos, os jornalistas de máscara no pulso e Portugal mergulha na arte de centrar o ethos mediático naquilo que importa: a queda de Pitágoras, as festas com DJ para vacinação de adolescentes e o luto pela “marquise” de Cristiano Ronaldo.
Esta semana, ficámos a saber que os habitantes da Babilónia já usavam o teorema de Pitágoras, mais de mil anos antes de o filósofo grego nascer. Daniel Mansfield, professor da Universidade de Nova Gales do Sul, descobriu trigonometria avançada numa tábua de argila com 3700 anos e, de acordo com o seu estudo, os babilónios já dominavam o teorema que veio revolucionar a matemática pela mão de Pitágoras. Uma descoberta que veio estragar as férias aos maiores fãs do matemático. Se os triplos pitagóricos remontam à Babilónia, resta saber como se davam os babilónios no triplo salto: quem sabe, já alguém na Mesopotâmia saltou 17,98 metros – 3700 anos antes de Pichardo.
Na corrida rumo à imunidade de grupo, os núcleos de vacinação do Agrupamento de Centros de Saúde Loures e Odivelas (ACES) inovaram com DJs e Casa Aberta até à uma da manhã de domingo, para atrair adolescentes de 16 e 17 anos. O diretor executivo do ACES garantiu que a ideia surgiu antes de se fazer o mesmo em Berlim. Não confirmei, mas vou assumir que, na capital alemã, o DJ não se chamava Puto Márcio. Em Loures, sim. Fora de brincadeiras, não alinho com os críticos da iniciativa, cuja piada resulta do experimentalismo pragmático. Ao que parece, a campanha teve enorme afluência. Contra todas as campanhas antivax, contra todas as alucinações negacionistas, a adesão dos jovens está a ser fantástica – apenas suspeito que possa não se dever aos DJs. Com 16 anos, já somos seres pensantes, suficientemente cansados da pandemia, impacientes para termos a vida de volta. Só os vinte manifestantes que se concentraram em Odivelas para hostilizar o vice-almirante Gouveia e Melo parecem querer impedir a vacinação, adiando a imunidade de grupo e o virar da página covid. Quem sabe, estão a desfrutar da pandemia e desejam prolongá-la. Felizmente, mais de 100 mil adolescentes foram vacinar-se no sábado, revelando uma lucidez muito superior à de quem tanto tentou demovê-los.
Por último, não menos fiel aos sopros de agosto, o desfecho do caso Marquise de Ronaldo. Na sequência da polémica construção no topo do edifício da Rua Castilho, a autarquia lisboeta vistoriou o assunto e lançou um ultimato ao futebolista: destruir a estrutura ou legalizá-la, procedendo às alterações necessárias. Ronaldo terá parado para refletir, na pose de quem prepara o penálti, e decidiu demolir a marquise que nunca foi bem marquise. Lisboa está de luto pela transfiguração deste imóvel de interesse nacional, com potencial de atração turística.
E agora, com licença. Tenho de ir fingir que estou de férias.
Crónicas d.C.
Há um mundo antes, durante e depois do novo corona vírus. A comunidade organiza-se, a sociedade reinventa-se e a economia treme. Entre manifestações comoventes de humanismo e vestígios desoladores de um certo “salve-se quem puder”, tudo parece indicar que testemunhamos um momento histórico com poder para reformular o modo como vivemos. É, portanto, tempo de observar, antecipar e repensar a realidade d.C (depois de Corona), no sentido de garantir que saímos desta crise para um mundo melhor.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.