Esta semana, Portugal foi o país da União Europeia que mais vacinou, numa média de 7 dias. Num plano menos feliz, o Canadá registou o recorde absoluto de 49,6ºC em Lytton, pequeno paraíso idílico na Colúmbia Britânica, entretanto devorado pelas chamas. Também há dias, a Organização Meteorológica Mundial da ONU confirmou o máximo de 18,3ºC na Antártida. É uma catástrofe, para a qual não haverá vacinas. Impõe-se uma mudança de mentalidade, para uma mudança de sistema. Se temos sido capazes de nos organizar em resposta a um vírus, está na altura de o fazermos face ao nosso maior problema enquanto espécie.
Our house is on fire. Em junho, a vaga de calor gravou recordes absolutos em toda a Europa do Norte: 34,8ºC em Moscovo, 31,7ºC em Helsínquia, 35,7ºC na Bielorrússia, 34,6ºC na Estónia. As temperaturas inéditas na Sibéria reduziram o Mar de Laptev a um mínimo nunca antes visto naquela altura do ano. No Iraque, um calor extremo de 52ºC em Bassorá conduziu ao colapso da rede elétrica em todo o país. O cenário é digo de um Ensaio Sobre a Cegueira, sobre o calor – sem vestígios de um alívio final. O governador da cidade iraquiana decretou quatro dias de feriado, apenas para evitar que os habitantes saíssem à rua, agravando a temperatura com os gases dos tubos de escape. Esta semana. No Golfo do México, uma tempestade motivou uma fuga de gás na plataforma petrolífera Pemex, que deu origem a um incêndio no mar. Um incêndio. No mar. A gravidade de alguns destes cenários ultrapassa mesmo as previsões mais “pessimistas” da comunidade científica.
Já aqui escrevi e repito: as alterações climáticas não são assunto para bons samaritanos. Não são uma questão de consciência, mas de sobrevivência. Não são um problema com o qual nos devemos preocupar em nome dos nossos filhos e netos. São uma urgência de ontem. As alterações climáticas já estão a destruir vidas e os efeitos piorarão este ano, no próximo, nos próximos dez, nos próximos vinte. Os eventos climáticos extremos não são verões como o atual em Portugal, em que “o tempo está estranho”, ou invernos em que está bom para a praia. São incêndios incontroláveis e cidades inteiras sem água ou eletricidade. Não é caso para mais protetor solar, é uma realidade em que as infraestruturas básicas colapsam, estradas, transportes, telecomunicações, em que a vida como a conhecemos se torna impossível.
Coletivamente, sabemos o que fazer – falta a coragem e a liderança. Responder à crise climática não implica viver pior, mas tomar decisões e reorganizar o modo como produzimos, vendemos e consumimos. A ciência está há décadas a apontar caminhos, estaremos a ouvir? Como na atual pandemia, só a inteligência e a cooperação nos poderão valer no combate ao desastre climático. Há, no entanto, uma diferença fundamental: a crise climática não é algo que possamos resolver depois, com uma vacina ou um elixir mágico. O apocalipse climático combate-se antes, enquanto é tempo, transformando os valores de um modelo económico global insustentável e descontrolado, que despreza a sustentabilidade e a saúde.
A proteção contra as alterações climáticas toma-se agora e tem prazo de validade.
Crónicas d.C.
Há um mundo antes, durante e depois do novo corona vírus. A comunidade organiza-se, a sociedade reinventa-se e a economia treme. Entre manifestações comoventes de humanismo e vestígios desoladores de um certo “salve-se quem puder”, tudo parece indicar que testemunhamos um momento histórico com poder para reformular o modo como vivemos. É, portanto, tempo de observar, antecipar e repensar a realidade d.C (depois de Corona), no sentido de garantir que saímos desta crise para um mundo melhor.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.