Dia 47.
Os seres humanos são alérgicos à incerteza e detestam mudanças. São vários os estudos indicam que preferem lidar com um certo desconforto que já lhes é conhecido do que ter de lidar com a incerteza de ter de gerir outros problemas novos e incertos.
A verdade é que, se por um lado sentimos saudades de uma série de coisas que nos fazem falta, depois de quase dois meses de confinamento, a vida em muitos lares portugueses começou a entrar numa nova rotina. Com coisas boas e coisas más, mas com hábitos, horários e divisões de tarefas que já começam a ser-nos familiares. É por isso que, na véspera do anúncio oficial de como se vai processar a reabertura da sociedade em tempos de pandemia, muitos começam a dizer que preferem continuar, por exemplo, a trabalhar de casa. Sempre poupam horas de caminho para os empregos e conseguem gerir melhor os seus tempos e tarefas– é essa afinal a grande vantagem do teletrabalho.
A minha filha, no 11º ano e ainda não sabe se vai ou não regressar às aulas este ano, também já começa a preferir a ideia de ter aulas à distância até ao final do ano do que ter de se habituar a novos horários, novas salas de aula e novas rotinas na escola. Compreende-se. A mudança dá trabalho e é desconfortável. Mas, eventualmente, vamos ter de sair do nossos abrigos e regressar à vida, tal como ela vai ser. Não a nossa antiga vida normal, mas a nova vida anormal que vamos ter de nos habituar a viver.
Desconfinar exige, pois, toda uma operação. Primeiro psicológica – temos de nos mentalizar que vamos ter de ganhar novos hábitos e novas rotinas. E depois social e económica. A reabertura será lenta e feita por etapas. Na reunião hoje com os parceiros sociais e com os partidos, o governo já transmitiu as linhas gerais do plano que deverá ser aprovado amanhã em Conselho de Ministros, que prevê uma abertura da atividade em diversas fases. A primeira arranca já na segunda-feira e abrange os espaços de pequeno comércio com até 200 metros quadros, as conservatórias, os cabeleireiros, as livrarias e os stands de venda de automóveis. A segunda fase começa no dia 18 e alarga esse universo aos espaços de até 400 metros quadrados. Só no início de junho abrem todas as outras lojas. Os restaurantes apenas deverão abrir portas na segunda fase, ou seja, a partir de 18 de maio, tal como as creches.
As empresas deverão continuar com o teletrabalho se possível e terão de garantir distanciamento entre os funcionários e assegurar novas práticas de higiene e desinfeção. As máscaras serão as nossas melhores amigas: vamos ter de as usar nos espaços e transportes públicos, não há volta a dar. E vamos ter de nos habituar a socializar menos: menos reuniões, menos convívios e festas, menos almoços e jantares com os amigos. Ir à praia ou ao jardim vai exigir novos cuidados – um sistema de senhas, quem sabe…
A Operação Desconfinamento vai custar, porque o que nos espera não é fácil nem familiar. Vamos encontrar um novo mundo. Vai exigir foco, disciplina e ambientação a outras realidades onde temos de conviver, sempre alerta, com um inimigo invisível. Tal e qual as vítimas do Síndrome de Estocolmo, cheira-me que uma vez ou outra ainda vamos ter saudades do conforto e do alheamento momentâneo dos nossos casulos…