Dia 24.
Afinal, é recomendável ou não usar máscaras durante a pandemia quando vamos a sítios públicos onde o contágio é possível? A resposta faz-me lembrar a que se dava nos meus tempos na Universidade em Direito, na Clássica, quando não se sabia ou não queria responder de forma assertiva a uma pergunta: “a doutrina divide-se”.
As afirmações das autoridades, tanto da Organização Mundial da Saúde como da Direção Geral da Saúde têm sido erráticas, mesmo contraditórias. Ainda a 22 de março, a ordem geral, segundo Graça Freitas e Marta Temido, era claramente a desaconselhar o seu uso. Porque dariam uma “falsa sensação de segurança” e não protegiam as pessoas saudáveis do contágio e seriam mesmo “contraproducentes”. Insistia-se nas medidas de distanciamento social e etiqueta respiratória, e as máscaras não deviam ser utilizadas pela população em geral.
Completamente esgotadas nas farmácias e grandes superfícies e em manifesta escassez nos hospitais, mesmo para o pessoal médico, a resposta que foi dada aos portugueses foi política e não clínica. Mas a resposta foi só uma meia verdade.
O Plano Nacional de Preparação e Resposta à Doença por novo coronavírus (COVID-19), elaborado pela DGS, deixava claro que as máscaras faciais “formam uma barreira física que previne a transmissão de vírus de uma pessoa doente para uma pessoa saudável, ao bloquear as partículas respiratórias/aerossóis expelidas pela tosse ou espirro”. E que a sua utilização por parte dos doentes é útil para impedir a propagação do vírus a contatos próximos ou outras pessoas da comunidade. Quanto aos outros, recomendava-se pela “plausibilidade teórica”, em cuidadores de indivíduos doentes no domicílio; indivíduos com suscetibilidade acrescida como, por exemplo, imunodepressão, mas apenas “reservado para uma fase de mitigação e em contexto de grandes aglomerados populacionais ou de frequência de serviços de saúde.”
Acontece que, como estudos prévios indiciavam (ao contrário do que foi adiantado), muitos médicos comprovam e a experiência noutros países asiático indica, elas são de facto eficientes. Essa é, aliás, a razão pela qual os médicos as usam para se protegerem em contexto hospitalar: porque, efetivamente, os protegem de contrair o vírus. É claro que é preciso saber pôr e tirar, mas ajudam muito.
A VISÃO, pela pena especializada da editora-executiva da VISÃO Saúde, Catarina Guerreiro, escreveu a 26 de março, num artigo amplamente partilhado, que havia cada vez mais especialistas a garantir que toda a gente as devia usar, e que esta era uma das formas de evitar a propagação do vírus na comunidade. E, na altura, chegámos a ser acusados por alguns de alarmismo social e falta de dever cívico. A minha resposta a quem me interpelou foi sempre a mesma: o meu compromisso último é com os leitores e com a ciência, e não com o Ministério da Saúde ou com a DGS.
Como diz o povo, cautelas e caldos de galinha, nunca fizeram mal a ninguém. E as pessoas começaram a usá-las – e bem. Até que o absurdo do contraditório aconteceu: o Presidente da República foi “apanhado” às compras com uma máscara colocada na cara, dizendo que o fazia a conselho dos netos tendo em conta “a lição da China”.
É caso para dizer que os netos de Marcelo Rebelo de Sousa sabem mais da poda do que as autoridades de saúde… O diretor do Centro Chinês de Controlo e Prevenção da Doença disse que o maior erro que a Europa e os Estados Unidos estavam a fazer era não usar máscaras, até porque muitos dos que estão doentes não mostram sintomas. Muitos epidemiologistas um pouco por todo o lado concordam. E agora, tanto a OMS como a DGS vieram anunciar que estão a rever as recomendações e a ponderar o seu uso generalizado, porque em fase de contágio generalizado e de mitigação da doença, elas podem de facto abrandar, e muito, o ritmo do contágio. Já não é apenas na Ásia que elas são mandatórias: na Áustria, por exemplo, é obrigatório usá-las quando se anda às compras.
Aguardemos pois, pacientemente, pelas recomendações oficias. Mas eu, que devo ter lido o mesmo do que os netos de Marcelo, na última vez que fui ao supermercado, à cautela já levei uma máscara na cara…