Dia 1.
Hoje, neste dia irónico de sol, despedi-me dos meus pais, que foram refugiar-se numa casa a Sul. Fi-lo, como mandam as boas recomendações da Direção Geral de Saúde, sem lhes dar um abraço. Dispensámos as patetices com os pés ou cotovelos, foi um adeus seco. À nórdica. Não é hora para apertos latinos, já se sabe. Três semanas passam a correr, e uma distância segura de netos com dificuldade em cumprir o metro de afastamento aconselhável para um doente cardíaco e uma pessoa com problemas respiratórios.
Tenho esta coisa – um evidente defeito em tempos de Covid-19 –, que é gostar de dar abraços. Suspeito sempre das pessoas que não gostam de abraços e das que apertam os lábios quando riem. Os meus são para abraçar, as gargalhadas são para se dar com a boca toda.
Mas os tempos não estão para estas nem para outras pieguices. Que importa um abraço? É preciso mudar de hábitos, ainda que alguns deles estejam tão entranhados como uma segunda pele. Lutar contra este vírus implica afastarmo-nos de muitos que amamos, trabalharmos longe das nossas equipas, reagendarmos viagens, deixarmos de ir a sítios cheios de gente, fecharmo-nos em casa e isolarmo-nos do mundo. Só nós, a família chegada e esta angústia de não sabermos como tudo vai evoluir e, sobretudo, quando vai passar. Que tempos loucos estes: nunca estivemos tão ligados como agora, mas vimo-nos obrigados a fecharmo-nos nas nossas tocas como bichos acossados.
Tenho consciência que isto vai doer. Vivermos em quarentena voluntária várias semanas (quantas serão, duas, três, mais?) confinados a casa (no meu caso com quatro miúdos cheios de energia) e continuar a trabalhar à distância vai ser um curso intensivo de “back to basics”. Vai exigir paciência, auto-controle, foco, civilidade. Sim, civilidade nos dias de hoje implica afastar-nos da civilização que nos trouxe até aqui.
Temos duas hipóteses para levar isto adiante. Atrofiar ou enfrentar. Tentar levar a melhor da experiência. Reaprender a viver com menos, focar no essencial, aproveitar as partes boas de estarmos 24 horas com os filhos e passarmos-lhes lições de vida essenciais. Manter a sanidade relativizando sempre, e agradecendo todos os dias pela manhã quando acordarmos sãos e salvos.
Tentemos fazê-lo sem queixumes, sem ceder à lástima ridícula. Pensemos que tanta gente ao longo dos séculos esteve confinada em circunstâncias mais duras. Mostremos de que massa somos feitos, apesar de nos faltarem pequenos vícios e luxos supérfluos sem os quais pensávamos que não conseguíamos viver. Conseguimos sim. Isto e muito mais. Façamos juntos rapidamente do Covid-19 história.*
* Eu tentarei estar por aqui todos os dias, sabe-se lá durante quanto tempo, a tentar lavar a cabeça na escrita. Sempre é melhor do que iniciar-me no álcool…