O Direito pode ser entendido como o conjunto de normas, princípios e instituições jurídicas que regulam a conduta humana em sociedade, com o objetivo de garantir a ordem, a paz social, a justiça e a previsibilidade nas relações entre pessoas – singulares ou coletivas – e entre estas e o Estado. Tem, assim, como função primordial regular conflitos, impondo deveres, conferindo direitos e criando meios de tutela (e.g., providências cautelares, ações de indemnização, execução de sentenças ou penhora de bens) que permitam assegurar o seu cumprimento.
No setor da construção, em particular, o Direito delimita quem pode fazer o quê, quando e como, permitindo definir os direitos e responsabilidades dos vários intervenientes no desenvolvimento de um empreendimento (e.g., dono de obra, projetistas, fornecedores, empreiteiros, entidades licenciadoras e reguladoras, etc.). Neste sentido, abrange aspetos como a contratação de obras públicas e particulares, disciplinando as licenças, os regulamentos técnicos e as responsabilidades civis, administrativas e penais das diversas partes interessadas na cadeia de valor da construção.
De facto, em comparação com outros setores de atividade, o Direito na construção assume especial importância, seja pelo enquadramento jurídico e regulatório do setor, seja pelas suas particularidades e consequente propensão para conflitos.
Ao nível jurídico e regulatório, destacam-se, em Portugal, a título de exemplo, o Código dos Contratos Públicos e o Código Civil, como referências para a contratação de obras públicas e particulares; regulamentos como o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação e o Regulamento Geral das Edificações Urbanas; e normas técnicas relativas à segurança contra sismos e incêndios, reabilitação e eficiência energética, entre outras.
Adicionalmente, existem diversos fatores que propiciam o conflito, criando espaço para a aplicação do Direito à construção. Destacam-se: a diversificação da cadeia de valor, na qual cada interveniente tem objetivos e níveis de formação e qualificação distintos; os prazos e orçamentos exigentes; os erros ou alterações de projeto em fase de execução, que podem implicar trabalhos a mais; os imprevistos materiais (e.g., atrasos nos fornecimentos), logísticos e humanos (e.g., escassez de mão-de-obra qualificada); a complexidade e constante evolução da legislação; a falta ou inadequação de procedimentos de controlo de qualidade ou de segurança; a ambiguidade na definição ou comunicação de especificações e requisitos contratuais (e.g., âmbito e responsabilidades); e, em particular na contratação pública, erros formais, atrasos ou incumprimentos que podem dar lugar a impugnações, caducidade do contrato, multas ou nulidades.
As consequências de um conflito mal gerido podem ser variadas, prejudicando os respetivos intervenientes, incluindo projetistas, empreiteiros e, especialmente, os donos da obra. Entre as possíveis consequências negativas incluem-se atrasos ou paralisações que aumentam custos diretos (e.g., mão-de-obra, materiais, equipamentos) e indiretos (e.g., penalizações contratuais, juros de financiamento, atrasos nas receitas de exploração); não conformidades e riscos estruturais ou de funcionamento, podendo traduzir-se futuramente em seguros mais caros ou exclusão de determinados mercados; perda de confiança de investidores e financiadores; e custos de contexto, tangíveis (e.g., gastos com processos de resolução de litígios) e intangíveis (e.g., danos reputacionais, desgaste emocional).
Os conflitos podem ser resolvidos, além da via judicial, diretamente entre as partes envolvidas, através de negociação, ou com recurso a terceiros, dependendo da vontade dos intervenientes: mediação ou conciliação (para facilitar um acordo), avaliação neutral ou arbitragem (para emissão de um parecer ou decisão).
Por motivos de celeridade, custos, confidencialidade e preservação das relações, demonstra-se que a via negocial, em primeira instância, é a melhor opção. O seu sucesso, contudo, depende do momento em que é iniciada (o mais cedo possível, evitando ignorar o problema e permitir a sua escalada), da compreensão real da situação (avaliação objetiva do estado e da origem do conflito, com escuta e comunicação ativas) e do compromisso das partes em colaborar, conscientes de que a solução final poderá não ser, no imediato e para o caso concreto, um cenário totalmente win-win.
A capacidade do setor da construção para se organizar em torno de uma estratégia eficaz de prevenção e resolução de litígios é um fator de enorme relevância para todas as partes interessadas, em particular para promotores e investidores, atendendo aos potenciais impactos socioeconómicos inerentes a uma escalada de conflito, sobretudo se resultar num processo judicial que poderá prolongar-se por não menos de dez anos.
As medidas de prevenção e resolução de litígios podem ser adotadas ao nível do projeto, das organizações e do país.
Ao nível do projeto, importa estabelecer modelos de contratação de empreendimentos que fomentem a colaboração; definir claramente no contrato aspetos como o âmbito, responsabilidades, interfaces entre conceção e execução, métodos de controlo de qualidade, procedimentos de alterações ou revisões de projeto e mecanismos de aprovação; prever cláusulas de resolução de litígios, incluindo prazos de reclamação e de controlo; e introduzir tecnologias digitais que aumentem a eficácia e rapidez das trocas de informação.
Na dimensão organizacional, importa promover uma cultura de diálogo, transparência e registo documental das decisões; implementar políticas de gestão de risco em contratos e obras; potenciar contratos com incentivos ou penalizações consoante o seu cumprimento e desempenho; aprender com as melhores práticas internacionais, que incluem modelos contratuais normalizados contendo cláusulas de resolução de litígios e métodos de controlo integrados; e formar as partes interessadas em técnicas de gestão de conflitos, comunicação e liderança.
Ao nível nacional, a legislação aplicável à construção pode ser revista com a participação ativa da indústria, de forma a assegurar maior clareza, proporcionalidade e exequibilidade; deve promover-se a simplificação e agilização dos procedimentos judiciais ou administrativos relativos a litígios de construção (e.g., incentivos financeiros e fiscais para regimes de mediação ou arbitragem, criação de tribunais especializados ou arbitragens obrigatórias para contratos públicos); incentivar uma cultura de prevenção de litígios (e.g., através de formação e de guias de boas práticas em gestão contratual e de obra); e desenvolver bases de dados de litígios, respetivas causas e custos no setor, de modo a identificar pontos críticos e orientar políticas públicas.
Por fim, embora o conflito seja algo natural no contexto dinâmico e exigente da construção – podendo inclusive desempenhar um papel construtivo, estimulando a comunicação, a coesão e a inovação – pode facilmente tornar-se disfuncional, gerando atrasos, sobrecustos, desgaste emocional e reputacional e, no limite, comprometendo o sucesso dos projetos e das empresas. Neste sentido, a área do Direito assume uma importância primordial, não apenas na resolução de conflitos, mas sobretudo na sua prevenção, devendo todos os profissionais do setor desenvolver competências fundamentais neste domínio.
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