Existe um lado romântico no fazer ciência: no fôlego em mudar o mundo e transformar vidas. Lembro-me do meu fôlego quando comecei a fazer investigação e comparo-o com o que tenho agora. É um fôlego que se tem transformado num suspiro.
Na última década, fazer ciência tornou-se o equivalente a ‘escrever artigos’. Prevalece o “publish or perish” que nos tira o fôlego sem sequer nos apercebermos. No momento em que celebramos com entusiasmo a submissão de um artigo, de imediato percebemos que precisamos de um outro, e depois de outro; não será suficiente porque competimos mais do que colaboramos. Vamos, assim, perecendo e suspirando.
Fazer ciência está na surpresa e no pasmo; está no observar, no pensar e experimentar; está no silêncio da reflexão e no entusiasmo da partilha. E vamos tendo cada vez menos momentos destes. Resgatar esta essência da ciência nunca foi tão importante.
É a propósito do Dia Nacional da Cultura Científica que me permito recuperar o fôlego de querer mudar o mundo e transformar vidas através da ciência. Esta data surge como uma homenagem a Rómulo de Carvalho, professor, investigador e poeta, o que nos diz que sempre que sonhamos “o mundo pula e avança”.
Se assim é, atrevo-me a dizer que não há ciência sem sonhos. Destaco, assim, três ações para (re) aprendermos a sonhar:
- Manifestar curiosidade pelo tudo e pelo nada:
A formulação dos problemas científicos envolve dois verbos – parar e olhar.
Parar é, atualmente, um exercício exigente para quem faz ciência. Parecemos o coelho branco da Alice no País das Maravilhas, a correr de relógio na mão, “Oh dear! Oh dear! I shall be too late!”. Se não pararmos, não nos permitimos olhar para o que está para além do visível. É aí que o investigador revive as palavras da Alice “Curiouser and curiouser!” – a estranheza que a curiosidade pode trazer sobre o nada.
- Resolver problemas reais partindo de perguntas:
Depois de parar, somos capazes de olhar. O ímpeto seguinte é procurar soluções criativas para os problemas, o que nos obriga fazer perguntas, muitas perguntas. Mas somos tomados pela ânsia e pela pressa de chegar às respostas (talvez porque tenhamos de publicar) e o tempo para as perguntas vai se desvanecendo.
- Dedicar tempo à leitura:
Fazer ciência implica ler artigos, regressar aos livros. Mas (re) aprender a sonhar está em ir além de nós mesmos e visitarmos aquilo que outras áreas fazem, porque a ciência é feita de ciências.
Promover a cultura científica é promover sonhos.
E são os sonhos que nos dão fôlego para mudar o mundo e transformar vidas.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.