A liberdade de ser e de amar continua a ser testada. Num momento em que o discurso de ódio se intensifica, direitos conquistados são questionados e a desinformação corrói a empatia, importa reafirmar um princípio inegociável: os direitos humanos são universais e só se cumprem quando abrangem todas as pessoas, sem exceção.
No entanto, esta não é, ainda, a realidade da comunidade LGBTQIA+. A Declaração Universal dos Direitos Humanos sublinha que “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.” É preciso assinalar os avanços, sem dúvida, muito graças à coragem e ação de muitas pessoas dentro e fora da comunidade, mas é também momento para refletir sobre as atuais ameaças. Em Portugal, frequentemente apresentado como exemplo de progresso, a ILGA-Europe posicionou-nos em 11.º lugar entre 49 Estados europeus, fora do top 10 do Mapa Arco-Íris, devido a qualquer evolução nos processos legislativos ou políticas públicas. Enquanto outros países avançaram, Portugal ficou estagnado nos últimos anos e isso levou à sua descida no ranking.
Além disso, a situação internacional revela medidas mais próximas de uma distopia digna de Orwell do que de uma democracia. No mês passado, a União Europeia apresentou a nova estratégia de igualdade LGBTQIA+, para 2026-2030, que reconhece que, apesar dos avanços dos últimos cinco anos, “cerca de um em cada três [membros da comunidade] LGBTQIA+ relata ter sofrido discriminação nos últimos doze meses”. Na Hungria, o governo aprovou este ano uma lei que proíbe a marcha anual Pride e autoriza a polícia a utilizar câmaras de reconhecimento facial para identificar e multar participantes. Ao mesmo tempo, nos Estados Unidos, as primeiras ordens executivas de Donald Trump após regressar ao poder determinaram que o governo utilize o termo “sexo” em vez de “género”, e que documentos oficiais se baseiem apenas na classificação binária de homem ou mulher.
Não obstante, a luta não se trava somente nas ruas ou nos parlamentos: a cultura também tem um papel central neste debate. O teatro, por exemplo, é simultaneamente espelho e janela: reflete-nos e permite ver a outra pessoa. O palco pode ser um lugar privilegiado para criar ressonâncias, oferecer outras perspetivas e abrir espaço para novas narrativas. Pensarmos o presente, enquanto imaginamos um melhor futuro coletivo. É preciso trabalharmos o nosso sentido crítico, mas também exercitar a esperança.
A cidadania ativa começa quando se recusa o silêncio. Compete-nos a todos denunciar atos de discriminação, quer surjam nas redes sociais ou no dia-a-dia. Devemos apoiar políticas públicas inclusivas, exigir que os governos e as instituições cumpram o que a Constituição e os tratados internacionais já estabelecem e, sobretudo, dar visibilidade a quem luta diariamente. No fundo, defender os direitos da comunidade LGBTQIA+ é defender a dignidade humana. Quando um grupo é marginalizado, permitimos que qualquer outro o seja.
Por isso, a defesa dos direitos LGBTQIA+ não é uma causa exclusiva de quem integra a comunidade. É, sim, uma causa de todas as pessoas que acreditam na igualdade e na justiça. Enquanto artistas devemos estar conscientes do nosso exercício de cidadania. Se o teatro é um reflexo da vida, que o nosso palco permaneça de cortinas abertas, para que espelhe, sem medo, o verdadeiro significado da liberdade.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.