17,3 mil milhões. Este número invadiu a imprensa e a discussão pública, desde que se anunciaram cortes de 10% de bens e serviços na Saúde para 2026.
Perante um aumento de 45% na despesa ajustado pela inflação nos últimos 10 anos, tocaram alarmes mediáticos sobre os modelos de gestão do SNS. Pese embora os dados da OCDE de 2025 demonstrem que a nossa despesa em saúde está 20% abaixo da média europeia, com maior esperança de vida e menor mortalidade tratável e evitável do que países como Países Baixos, Alemanha, Finlândia ou Reino Unido, muitas vezes tidos como modelos de gestão mais rigorosos.
Além disso, a despesa com o SNS entre 2010 e 2018 aumentou 410 milhões. O período “dourado” da gestão em Saúde, significou um garrote em compras, equipamentos, manutenção, e recursos humanos cujo impacto não foi ultrapassado pelo aumento recente de despesa, e obrigou a gastar bem mais para o compensar. Imagine o custo de reabilitar uma casa com 150 mil colaboradores sem manutenção durante 10 anos.
O mesmo relatório demonstra que Portugal ocupa a 25ª posição entre 29 países em termos de gastos em prevenção. É nesta página que podemos ler a história inacreditavelmente verdadeira.
Dois ministros encontram-se num bar. No meio da conversa amena, José Manuel Fernandes (Ministro da Agricultura) que tutela a alimentação em Portugal, diz “considero um disparate colocar mensagens como aquelas que existem nos maços de tabaco. O consumo de vinho de forma moderada não faz mal”, assegura, considerando que, em Portugal, há regiões “onde a longevidade é maior onde bebem tinto verde”. “Tem de existir em moderação”, reforça.
Joaquim Miranda Sarmento (Ministro das Finanças) responde-lhe “estimo que as receitas dos impostos sobre o tabaco e as bebidas com álcool subirão, totalizando 1.993 milhões de euros. O imposto sobre o consumo de tabaco deverá render mais 72 milhões de euros. Já o imposto sobre o álcool e as bebidas açucaradas (IABA) deverá render mais oito milhões de euros, de acordo com a tendência observada em 2025″.
Existe alinhamento dos membros do Governo com os modelos de gestão do SNS. Chama-se alinhamento invertido. Não investimos em prevenção, enquanto estimamos novos consumidores de tabaco e álcool, ou aumento de consumo dos consumidores atuais para 2026. Em ambos os cenários da história, destroem qualquer tentativa de sustentabilidade do SNS. Tabaco e álcool aumentam entre 2 a 10 vezes o risco de cancros do pulmão, mama, colorretal, pâncreas, esófago, fígado, laringe, bexiga, entre outros.
Nem com a versão 20.0 do Plano de Emergência e Transformação iremos conseguir melhorar o modelo de gestão, se hoje, já não conseguimos controlar as necessidades não satisfeitas.
Para tornar esta história inacreditavelmente verdadeira, hoje, em novembro de 2025, os Planos de Desenvolvimento Organizacional de cada ULS/IPO para 2025, ainda não tinham sido aprovados pelo Ministério das Finanças/Saúde, o que revela a realidade da falta de autonomia dos modelos de gestão atuais e as cativações do Ministério da Finanças.
Discutir cortes de despesa, com esta política fiscal e a ausência de capacidade de intervenção sobre os determinantes da saúde, é perda de tempo. Regressemos ao relatório da OCDE que mostra Portugal como o 2º país com maior consumo de álcool acima dos 15 anos. Os ministros da Agricultura e das Finanças fizeram um brinde a estes dados, certamente.
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