O Governo de Luís Montenegro prepara-se para mais uma revisão da legislação laboral. Tal como aconteceu com os executivos de Durão Barroso (2003) e de Passos Coelho (2011), a receita repete-se, e os resultados serão semelhantes: maior precariedade, aumento das desigualdades e salários a crescerem abaixo da produtividade e da média europeia.
O atual Governo quer que a duração máxima dos contratos a prazo aumente de 2 para 3 anos (maior precariedade), que ser-se jovem ou desempregado de longa duração passe a ser justificação para contratar a prazo, os contratos de muito curta duração sejam alargados a todos os setores, que seja mais fácil que o empregador recuse o pedido de teletrabalho e que seja mais fácil despedir.
Os argumentos para justificar esta flexibilização são conhecidos. Alega-se que o mercado de trabalho é demasiado rígido, uma tese que serviu de base às políticas da troika, sempre no mesmo sentido: reduzir indemnizações por despedimento, facilitar os contratos temporários e fragilizar a negociação coletiva.
Contudo, esta visão não resiste à evidência. Estudos académicos, como os de economistas como Philip Arestis, demonstram que não existe uma relação causal entre o grau de proteção laboral e o nível de emprego. Pelo contrário, observando outros países da União Europeia, verifica-se que aqueles onde os contratos coletivos têm maior peso são, precisamente, os que registam salários e produtividade mais elevados.
Outro argumento falacioso é o de que a flexibilidade gera um aumento automático da produtividade e, consequentemente, dos salários. Na realidade, a evidência aponta no sentido oposto: a elevada rotatividade de trabalhadores gera ineficiência, insegurança e desperdiça o conhecimento acumulado. Além disso, ao longo deste milénio, a produtividade tem crescido a um ritmo muito superior ao dos salários, desfazendo a ideia de que esta bonança chegaria naturalmente aos trabalhadores.
Se há um principal entrave ao desenvolvimento da economia portuguesa e à sustentabilidade do Estado Social, é a política de baixos salários. Trabalhar não é garantia de uma vida digna. Mas por que razão isto acontece? Será a carga fiscal? Dados da Comissão Europeia e do Eurostat indicam que a carga fiscal sobre o trabalho, em sentido lato ou estrito, se encontra abaixo da média da zona euro. O cerne da questão é outro: o Estado português aufere menos receita fiscal porque os salários são estruturalmente baixos. Enquanto compra bens e serviços (como uma máquina de TAC) aos mesmos preços que o estado alemão, aufere menos impostos por cada trabalhador.
Deste modo, não é a “rigidez” que explica esta realidade, mas sim um modelo de crescimento económico ancorado em setores de baixo valor acrescentado. A economia portuguesa especializou-se em atividades como o turismo, a restauração e a construção, que geram emprego precário e mal remunerado. Este modelo é agravado pelo enfraquecimento do poder negocial dos trabalhadores: a taxa de sindicalização caiu de mais de 70% nos anos 70 para cerca de 15% atualmente, e a negociação coletiva foi perdendo força legal, ao contrário do que sucedeu em países europeus mais desenvolvidos.
Em vez de se concentrar na promoção da qualificação da economia e em atrair investimento de alto valor, o Governo opta pela solução fácil e habitual: retirar direitos e aumentar a precariedade. A proposta de permitir que as empresas contratem a prazo sempre que se trate de trabalhadores sem vínculo permanente anterior é particularmente gravosa. Na prática, significa abrir a porta a carreiras profissionais inteiras feitas de sucessivos contratos temporários, perpetuando a instabilidade.
Não estamos perante um mero debate técnico, mas perante uma escolha política crucial sobre o futuro do país. Reforçar a precariedade é apostar numa economia frágil, dependente de baixos salários e de setores pouco inovadores. Pelo contrário, fortalecer a proteção laboral e a negociação coletiva é investir em estabilidade, valorização do conhecimento e produtividade de longo prazo.
É expectável que um governo de direita como o do PSD avance com esta agenda.
O que é verdadeiramente espantoso é que, uma década depois, insista na mesma estratégia, ignorando toda a evidência nacional e internacional. O caminho está traçado: continuaremos condenados a salários baixos, a uma economia pouco qualificada e a uma precariedade crescente. Senhoras e senhores trabalhadores, é tempo de apertar os cintos.
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