Esta é uma das conclusões da tese de doutoramento apresentada no Centro Médico da Universidade de Leiden, nos Países Baixos, em junho de 2009, por Wouter de Ruijter. Este médico de família e investigador era, então, o diretor do programa de formação em Medicina Geral e Familiar do Departamento de Saúde Pública e Cuidados Primários. As suas conclusões foram surpreendentes e de enorme importância.
Em geral, os resultados da investigação científica demoram 5 a 10 anos, ou mais, a serem integrados nos livros da especialidade e lecionados nas universidades. Isto se os professores resolverem atualizar os seus conhecimentos, pois conhecimentos fundamentais há muito evidentes e validados, nem sequer são tidos em consideração. Exemplificativa é a enorme relevância e a não atenção que é dada ao caráter – moral, ético e psicológico – dos profissionais que cuidam, ensinam e decidem, como é o caso dos médicos, advogados, professores, políticos, diretores de empresas e administradores. O seu comportamento afeta a vida das pessoas que os solicitam ou deles dependem.
O médico Wouter de Ruijter acompanhou mais de 4500 pessoas saudáveis com mais de 55 anos em Roterdão reunindo dados como a tensão arterial mas também outros fatores de risco (colesterol, tabagismo, diabetes, género, etc.) com os quais os médicos podem avaliar o risco cardiovascular de uma pessoa. Nos participantes mais jovens (55 anos), uma tensão arterial sistólica alta (≥140/90 mm Hg) era (e continua a ser) um marcador importante de risco cardiovascular. No entanto, com o avançar da idade, a utilidade preditiva desse valor foi diminuindo progressivamente, sendo nula quando as pessoas ultrapassavam os 75 anos.
O investigador constatou também que em pessoas saudáveis com mais de 85 anos, valores de tensão arterial sistólica superior a 140 estavam associados a maior longevidade. A longevidade ainda era maior quando a tensão arterial sistólica era superior a 160.
Numa entrevista concedida a um jornal neerlandês, o médico reconhece que a pressão arterial tem quase um estatuto “mítico” tanto entre profissionais como entre pacientes, mas que vai ser mesmo necessário aceitar que um médico possa dizer a uma pessoa saudável, com mais de 80 anos e uma pressão arterial sistólica de 180: “Está ótimo, não é necessário fazer nada.”
Nas pessoas com 85 anos ou mais, a hipertensão não é um fator de risco.
Em 2010, o médico internista Thomas van Bemmel defendeu a sua tese de doutoramento no Centro Médico da Universidade de Leiden (LUMC), com o título High blood pressure at old age : The Leiden 85 plus study. O investigador acompanhou 571 pessoas com mais de 85 anos. Dentre estas, 223 apresentavam um historial de hipertensão arterial.
No período de cerca de quatro anos em que estas pessoas foram acompanhadas, registaram-se 290 óbitos. A taxa de mortalidade em ambos os grupos (hipertensos e não hipertensos) foi semelhante, o que é bastante relevante pois não era expectável de acordo com as práticas seguidas.
O grupo de pessoas com um historial de hipertensão não apresentou aumento de mortalidade, enquanto os valores tensionais se mantiveram elevados. Contudo, verificou-se um aumento significativo da mortalidade quando a tensão arterial foi reduzida, com recurso a fármacos anti-hipertensores, para valores inferiores a 140/70, sobretudo entre as pessoas com historial prolongado de hipertensão. Com base nestes dados, o LUMC conclui que pessoas com mais de 85 anos e um historial de hipertensão arterial, mas que nunca foram medicadas, não o devem ser de forma automática.
O autor do estudo explica: “Uma pessoa pode ter uma tensão arterial de 120 aos vinte anos, de 160 aos sessenta, de 180 aos oitenta e de 160 aos oitenta e cinco. Embora 160 continue a ser um valor elevado, ao tentar reduzi-lo ainda mais, pode-se comprometer a perfusão sanguínea e o funcionamento de todo o organismo.” Por outro lado, pessoas que sempre tiveram tensão arterial normal, que aos 85 anos apresentam uma tensão arterial de 160, devem ser tratadas.
Van Bemmel questiona a diretriz tradicional que defende que “quanto mais baixa a tensão arterial, melhor”, no caso de pessoas com mais de 85 anos. Acrescenta ainda que, neste grupo, os dados demonstram que a função renal, a memória e as capacidades cognitivas eram melhores nas pessoas com valores tensionais mais elevados.
Tensão arterial sistólica elevada associada a menor risco de quedas em pessoas com mais de 85 anos
Em 2023, com base nos dados do Leiden 85 plus study, os investigadores David Röthlisberger e Katharina Jungo, da Universidade de Berna (Suíça), publicaram um estudo adicional. A conclusão, algo inesperada, foi a de que valores mais elevados de tensão arterial sistólica estavam associados a menor risco de quedas.
Neste estudo foram acompanhadas 544 pessoas (66% mulheres), avaliadas clinicamente e entrevistadas anualmente durante cinco anos, a partir dos 85 anos. A média da tensão arterial sistólica em repouso era de 155 mmHg. Verificou-se que os episódios de queda eram menos frequentes nas pessoas com hipertensão.
O conhecimento científico inspira, faz-nos evoluir e salva vidas. Por isso mesmo, as universidades e as ordens profissionais deveriam considerar a aptidão ética, psicológica e moral como critério essencial para o exercício de profissões que envolvam responsabilidade direta sobre terceiros, na saúde como no ensino, no setor empresarial como no setor público, na governação como na justiça. Quando não exista essa aptidão, devem ser tomadas medidas que protejam, efetivamente, os cidadãos, as crianças, as mulheres e as famílias, assim como a sociedade. Um educador de infância, tal como um gestor de uma empresa, têm de ser pessoas excecionais, numa perspetiva humanista.
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