A atribuição, na semana passada, do Prémio Nobel da Paz ao antigo Presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter, foi justa, a vários títulos.
Primeiro, Carter foi sempre um político democrata, idealista, que procurava nortear-se por valores e por princípios, mais do que por interesses estratégicos, económicos ou outros.
Segundo, porque a sua presidência não foi agressiva, nem belicista, nem imperialista. E não se diga em contrário que foi ele que ordenou a (falhada) união militar contra o Irão: não se tratava de invadir ou atacar este país, ou de intervir na sua política interna, mas apenas de tentar salvar a vida dos diplomatas e militares americanos que se encontravam reféns e cercados por uma multidão ululante dentro da embaixada dos EUA em Teerão.
Era uma missão humanitária.
Terceiro, porque, após o termo das suas funções presidenciais, Carter dedicou vinte anos da sua vida a promover a causa dos direitos humanos por todo o mundo e a servir de medianeiro em diversos conflitos militares, em que a sua intervenção abriu caminho para a paz.
O prémio Nobel da Paz foi, pois, merecido e justo para Jimmy Carter.
É claro que a escolha do seu nome, nesta altura, não foi inocente: Carter foi a primeira figura de renome a criticar há menos de um mês a política belicista e imperial do Presidente Bush quanto ao Iraque. E fê-lo de forma clara e desassombrada, chamando a atenção para que a grave violação do direito internacional que os EUA se preparam para cometer, e sublinhando o que eu próprio já escrevi nesta revista o carácter extremista da ala mais conservadora e radical do Partido Republicano, que está a dominar as opções da administração Bush.
Quer isto dizer que a concessão do Nobel da Paz a Carter, nesta altura, foi uma crítica ou uma bofetada de luva branca dada pelo Comité de Oslo ao Presidente Bush? É óbvio que houve uma intenção crítica. Mas a questão tem de ser vista através de uma análise mais fina.
Se olharmos para trás, poderemos verificar que nos últimos dez ou quinze anos o Prémio Nobel da Paz foi sempre atribuído com intenção política, e não apenas com base no passado da personalidade galardoada, mas sobretudo com vista a apontar e abrir os caminhos do futuro.
Assim, em pleno apartheid na África do Sul, o prémio foi para Nelson Mandela: anos depois, caía o odioso regime do apartheid e Mandela era eleito Presidente da República.
Depois, em pleno conflito israelo- palestiniano, o Nobel da Paz foi para Yasser Arafat: tempos volvidos, veio a criação da Autoridade Nacional Palestiniana.
Enfim, com a ditadura militar na Indonésia a recusar vigorosamente a autodeterminação de Timor Leste, o prémio Nobel da Paz foi para D. Ximenes Belo e Ramos Horta: pouco tempo depois, caiu a ditadura, fez-se o plebiscito em Timor, e a independência foi conseguida.
Vê-se, assim, que o prémio Nobel da Paz, pelo seu enorme prestígio e consequente influência nas opiniões públicas tenta e quase sempre consegue abrir caminho para as soluções mais justas e mais conformes ao Direito Internacional.
Quer isto dizer que a atribuição do prémio a Carter vai travar a cavalgada militar de Bush contra o Iraque? Só o futuro o dirá. Mas é razoável prever que Bush vai dar mais algum tempo aos inspectores das Nações Unidas; que os EUA vão sofrer mais e maiores pressões de terceiros países; que o Partido Democrático, na oposição, vai ganhar mais coragem para criticar e controlar Bush; e, sobretudo, que a opinião pública americana vai começar a ser menos «unanimista » a favor da guerra.
Este prémio veio no momento certo para dar uma última oportunidade à Paz.
Artigo publicado na VISÃO em outubro de 2002.