Estamos habituados a ver na história um suceder de avanços. Esperamos que as novas gerações sejam inovadoras, revolucionárias. Esperamos um confronto geracional com os mais velhos, entre um mundo novo e um mundo velho, entre o conhecido e o desconhecido, entre o igual e o diferente.
E agora? Estaremos, pela primeira vez na história, a ter uma geração nova mais “velha” que as anteriores.
Preâmbulo importante:
A mesma geração que, há 5 anos, protestava pelo clima, pela urgência de uma transformação do estilo de vida e da economia, hoje apregoa a “liberdade financeira”, o caminho para o enriquecimento pessoal, numa economia que, por essa via, está a levar à ameaça de destruição do planeta.
A mesma geração que há 5 anos afirmava, pela primeira vez, a mais plena liberdade de identificação de género e sexual desde o Império Romano, agora vota massivamente em partidos conservadores.
A mesma geração que cresceu sempre com colegas e amigos de tantas nacionalidades na escola moderna, repete narrativas falsas, de que a imigração está por detrás da crise no mercado da habitação (que já estava em agravamento há vários anos) e da sobrelotação dos serviços públicos de saúde e educação. Ou, mais absurdo ainda, que os imigrantes ora vêm para roubar trabalhos, ora são preguiçosos e não querem trabalhar…
O que aconteceu à minha geração?
Há uma crise de empatia brutal, na atualidade. Dois fatores talvez consigam explicar o que aconteceu, sobretudo aos mais novos.
A pandemia fechou o mundo em casa. Impossibilitou o convívio, a troca de ideias, o cruzamento de mundos e de experiências ou a própria novidade das experiências. Quanto do que somos, de como somos não foi criado nessa idade original da autonomia e da independência na nossa vida, que é a adolescência?
O facto de termos fechado os mais jovens em casa privou-os de conhecer o mundo através dos amigos. Não conheceram a pobreza através do colega que não tinha dinheiro para almoçar. Não conheceram o preconceito que se exerce na sala de aula aos alunos de determinadas zonas, determinadas culturas ou determinadas classes sociais. Não conheceram a pluralidade sexual através do amigo que estava a questionar a sua sexualidade ou o tratamento sexista e objetificante que se faz às raparigas.
Esta privação criou uma geração onde muitas pessoas têm pouco mundo, poucas referências, pouco conhecimento dos problemas dos outros. Uma geração de pessoas centradas na sua própria realidade apenas porque não conheceram muitas outras.
Pior, uma geração onde muitas pessoas vivem, como na alegoria da caverna de Platão, a ver o mundo pelas sombras projetadas na parede. Ou, neste caso, no telemóvel. Foi durante a pandemia que o Tiktok se instalou como a rede social de eleição.
Os algoritmos das redes sociais controlam o que vemos. Dividem-nos por tipos de pessoas, categorizam os nossos interesses e selecionam, por nós, os nossos conteúdos. Será só isso? Desde o escândalo da Cambridge Analytica, o Brexit e a eleição de Trump, que sabemos o perigosíssimo potencial dos algoritmos para nos manipular, para nos passar “informação” enviesada com um determinado objetivo político ou comercial. Isto, associado ao facto de o Tiktok ser uma rede social chinesa, pouco transparente, talvez explique porque é que os EUA e a própria União Europeia travam um combate para lhe impor restrições.
Quanto da narrativa da liberdade financeira não serve o status quo do poder e de quem mais tem? Quanto do preconceito e do fecho à imigração não resulta na paralisação da economia e do estado social numa Europa envelhecida? E quanto do apelo à extrema-direita não tem, exatamente, como objetivo criar tanto conflito na sociedade ocidental ao ponto de destruí-la por dentro?
Sejam quais forem os objetivos dos algoritmos e consigam, ou não, ser mais ou menos eficazes na manipulação, a transformação da Geração Z em apenas 5 anos é assustadora.
É preciso recriar empatia. É a palavra que vai salvar o mundo, o sentimento que nos faz compreender o outro e os problemas que nos rodeiam. É preciso que as gerações rejeitem o mundo velho e continuem a sonhar com o que pode ser diferente para melhor.
Felizmente, há quem resista, sobretudo na Geração Z.
OUTRO ARTIGO DO MESMO AUTOR
+ Montenegro e o desejo de morrer na praia: Uma peça de teatro a 3 personagens
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.