Não gosto de discutir tática política. É o tipo de conversa que pertence apenas ao foro íntimo dos partidos, ao seu desígnio de conquista de poder. Para mim, política continua a ser o mais puro ato de conceber um ideal de sociedade e trabalhar para que ele se concretize. Mas esse trabalho exige estratégia, passos para o concretizar, e é aí que entra a tática. O perigo é não nos deixarmos consumir tanto por ela, ao ponto dos meios se tornarem os fins e já nem sabermos o que andamos a fazer aqui.
Este foi o prólogo, senhoras e senhoras, agora vamos conhecer as personagens.
Primeiro está Montenegro. A outubro de 2023 era o líder mal amado e impopular do PSD, incapaz de encontrar a brecha para furar oito anos de governo de António Costa e subir os seus índices de popularidade. A novembro de 2023 descobriu que, afinal, ia ser primeiro-ministro. A março de 2024 lá o conseguiu, por mais tuta e meia de votos.
Depois está Pedro Nuno. Sonha ser primeiro-ministro depois de ter alcançado o primeiro sonho: ser líder do PS. Enquanto desfruta do primeiro sonho, não tem pressa para chegar ao segundo. É conhecido por ser ativo, sem meias palavras, o que lhe projeta uma imagem de arrogância e impulsividade (se é justa ou não, cabe a cada um julgar – eu cá acho que precisamos de políticos diretos e concretizadores e faço já essa confissão da minha, talvez, parcialidade).
Em terceiro está Ventura. E sobre esta personagem deixaremos os atos e as cenas da peça falarem.
Cena 1 – Portugal é um país triste, liderado por um Presidente da República que se acha acima da República a que preside. E que insiste em estar no centro de tudo aquilo que, a bem da estabilidade, se devia pôr fora. Por esse motivo, conta com quatro dissoluções de Parlamentos no cadastro – duas delas por chumbos de Orçamentos à primeira, sem dar a regular oportunidade de haver uma segunda ronda de negociação e apresentação. Montenegro é o primeiro-ministro, sabe o Presidente da República que tem…
Cena 2 – Montenegro tem de apresentar um Orçamento do Estado e não tem maioria. O PSD votou contra oito OE do PS e agora dava-lhe jeito que o PS aprovasse um seu. À sua direita está o CHEGA, conhecido por dar o dito por não dito e fazer apenas o que lhe dá ganhos eleitorais. Mas Montenegro sabe uma coisa: as eleições tendem a beneficiar as vítimas, os pobres coitados a quem “não se deixa governar”. Foi assim em 2022, quando um OE de Costa foi chumbado, o governo caiu e Costa saiu das eleições com uma maioria absoluta. Montenegro sonha com a maioria absoluta, o poder supremo, o não precisar de mais ninguém.
Cena 3 – Pedro Nuno cumpre o sonho de ser líder do PS. Organiza o partido à sua imagem, viaja pelo País, lidera a oposição ora puxando pelos louros do que o PS fez bem no governo, ora lançando novas ideias sobre o que ele faria de diferente do atual e anterior primeiro-ministro. Nisto, sabe o Presidente da República que tem e que há um Orçamento do Estado a negociar. Por ele, o PSD não era parceiro para nada. Entre o Pedro Nuno da esquerda do PS e Montenegro do Neoliberalismo do PSD, há pouco em comum. Mas é preciso, seja por dever moral, ou pelo motivo tático de evitar eleições enquanto o PS não descola nas sondagens. E, portanto, eles lá terão de se sentar na mesma mesa.
Cena 4 – Ventura está nervoso. Faz gaudio de ser um lutador contra tudo e contra todos e, portanto, não quer aprovar Orçamentos. Por outro lado, o CHEGA vem em queda nas sondagens e há 50 deputados do seu partido ansiosos para não perder o emprego que acabaram de arranjar. Primeiro diz que não aprova. Depois diz que já pode negociar. Entretanto diz para não contarem com ele. Contudo, já diz que só negoceia se não negociarem com o PS. No fim diz tudo e o seu contrário e já não se sabe o que vai dizer hoje e no dia seguinte.
Cena 5 – Pedro Nuno define condições para que o PS lá tenha de aprovar um Orçamento do Estado do PSD. Anuncia-as em público: 1º precisa de receber informações sobre as contas do país, 2º não aceita as propostas do PSD para as descidas do IRC e do IRS que iriam beneficiar ainda mais os mais ricos, 3º quer incluir propostas suas que reforcem o estado social e os rendimentos das pessoas – algumas que o PSD provavelmente também propôs no programa eleitoral, como o aumento das pensões e do salário mínimo.
Cena 6 – É tempo de se sentarem à mesa. O Governo que precisa de um Orçamento do Estado. A oposição que deve ser alternativa ao governo. Pedro Nuno que até está disponível para aprovar. E Montenegro que até gostava que lhe chumbassem o OE.
Fim do 1º Ato. O que nos reserva o 2º? Um primeiro-ministro fiel à sua função que tudo fará pelo seu governo ou um líder do PSD a boicotar as negociações para tentar uma maioria absoluta em mais umas eleições no próximo ano? Um Pedro Nuno fiel à sua palavra, na noite das últimas eleições, de que “o tempo da tática política”, consigo, “acabou” e um Ventura cuja única fidelidade é à tática da terra queimada?
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