Em 2020, assim que irrompeu a pandemia de Covid-19, o preço das máscaras cirúrgicas disparou. Não foi um aumento de 10 ou 20%, como os que temos agora, mas antes um aumento superior a 2500%: o que tipicamente custaria 1 a 2 cêntimos chegou a custar mais de 50 cêntimos. Os efeitos imediatos foram naturalmente negativos: o aumento dos preços fez com que o custo disparasse para quem compra estes equipamentos em grandes quantidades, nomeadamente os hospitais.
O aumento dos preços foi a reação a um desequilíbrio no mercado: um aumento exponencial e inesperado da procura muito superior à oferta, que, em circunstâncias normais, seria mais do que suficiente para suprir as necessidades. Alguns afirmaram tratar-se de ganância e de especulação, e oportunistas os haverá sempre, mas a explicação é económica: quando as quantidades não ajustam, ajustam os preços (e vice-versa).
Por mais contraintuitivo que pareça, foi justamente o aumento dos preços que permitiu que o problema se resolvesse. Os preços cumprem uma função essencial: permitem que os agentes se coordenem. O dispositivo em que está a ler este artigo envolve produtos e serviços de centenas de empresas, dispersos por dezenas de geografias. E tal não aconteceu porque temos telefones ou emails, Zoom ou Teams: a coordenação espontânea entre elas só foi possível graças ao mecanismo dos preços.
Neste caso, o aumento de preços sinalizou escassez e, por conseguinte, expectativa de rentabilidade. Os agentes económicos reagiram: muita indústria têxtil, na procura por rentabilidade, reconverteu-se e começou a produzir máscaras. Também a indústria química rapidamente se reorganizou para começar a produzir álcool-gel, outro produto que atingiu preços exorbitantes.
O aumento de preços, em alternativa a uma fixação administrativa dos mesmos, foi precisamente o que permitiu que a oferta respondesse à procura e, por conseguinte, não ocorresse uma total ruptura de stocks. Num contexto de pandemia em que a proteção individual era crucial, isto permitiu que quem precisava mesmo das máscaras, ainda que com esforço e custo adicional, as conseguisse obter. Este mecanismo económico é em tudo análogo ao observado nos táxis: sendo os preços tabelados e a oferta restringida por um contingente, o efeito de um aumento da procura, como o que geralmente acontece em grandes eventos, é a inexistência de táxis disponíveis, completamente assoberbados pela procura. Com o surgimento de plataformas em que os preços são dinâmicos e acompanham a procura, a ruptura simplesmente deixou de acontecer: porque os preços ajustam, quem precisa mesmo de um transporte consegue obtê-lo.
O que hoje acontece com os medicamentos, nomeadamente as rupturas de stock, resulta assim de dois fatores. Primeiro, o acima explanado: os preços não ajustam (ou ajustam pouco). Portugal, a par com os restantes países europeus, fixa os preços junto das farmacêuticas usando por base o preço pago por um conjunto de países de referência, no caso Espanha, França, Itália e Eslovénia. O preço é manifestamente inferior ao preço pago por outros países com maior capacidade económica, mas o que agudiza o problema é mesmo a nossa dimensão, ou falta dela: com a exceção da Eslovénia, estes países compensam o baixo preço com os elevados volumes que compram. O segundo motivo tem que ver com a indisponibilidade de algumas matérias-primas para a produção de invólucros de vidro e de blisters, sobretudo devido à guerra na Ucrânia.
A resposta política fácil, rápida, tentadora e errada é tentar, de alguma forma, regular os preços, seja através de fixação de preços máximos, seja através de limites às margens. Qualquer uma destas soluções não só não resolve o problema, como atestam séculos de evidência empírica, como o agudiza: gera ainda mais escassez, no limite obrigando ao racionamento. A resposta necessária não é tão mediática, mas é a possível: permitir que os mecanismos de mercado funcionem e reduzir todas as fricções nas cadeias de abastecimento, nomeadamente as que decorrem de regulamentações ou regras obsoletas.
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