Tenho observado a preocupação dos pais com o facto de as crianças assistirem a vídeos do Youtube, cujos participantes falam em português do Brasil. Sim, porque, em primeiro lugar urge esclarecer que, ao contrário do que oiço com alguma frequência, não existe “brasileiro” no que toca à língua falada. É mesmo português! Portanto, a questão que coloco é a seguinte: deverão os pais preocupar-se com a variedade do português falada ou com o conteúdo do vídeo? Para mim, a questão parece óbvia, mas não para todos…
Pensemos no inglês. Uma imensidão de vídeos presentes na internet encontra-se falada em inglês americano. E aí pergunto: as crianças britânicas não veem esses vídeos? Claro que sim! Mas, nem por isso, passam a falar a variedade americana da língua. É que isto não se trata bem de uma doença contagiosa, não sei se perceberam…
Os pais deveriam parar de criticar os outros pais que permitem que as crianças visionem os vídeos em português do Brasil e olhar mais para aquilo que os próprios filhos estão a ver e a ouvir na internet. Isso sim, parece-me urgente e preocupante. Saímos de um período pandémico, em que todos ficámos muito agarrados aos ecrãs, incluindo os mais novos e é natural que isso preocupe os pais, mas a questão não é, claramente linguística. Tem muito mais a ver com os valores transmitidos através desses conteúdos digitais e a forma como influenciarão os comportamentos e emoções das crianças, assim como o modo como as podem afetar psicologicamente e em termos de formação. Maus conteúdos existem em qualquer língua e em qualquer variedade linguística. Ou será que não existem conteúdos digitais portugueses de qualidade duvidosa e que podem ter um impacto negativo nas crianças? Claro que sim.
Preocupa-me muito mais, confesso, a violência de alguns jogos, o stress que causam, a adição e o tempo de ouro que retiram da vida real. Não sejamos, evidentemente, radicais. Todos sabemos que é impossível fugir à tecnologia nos dias que correm e temos consciência de que um pouco de jogo e de Youtube não fará mal a ninguém. Tem tudo a ver com equilíbrio e em servos vigilantes, como pais, dos conteúdos a que os nossos filhos acedem na internet, seja em que língua for, e em que variedade de uma língua for.
Defendo, pois, que é saudável, no caso do português, que as crianças convivam, desde cedo, com as diferentes variedades do português e o contributo de cada uma delas para o património linguístico lusófono. Não existe uma variedade melhor do que a outra. Todas exprimem a riqueza da língua portuguesa.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.