Batem no peito para gritar aos sete ventos que não são fascistas. Camuflam-se subtilmente com táticas de fumo branco para ignorar o euroceticismo e a sua posição sobre o aborto. Mas afinal de que são feitos os cabeças de cartaz do governo italiano e a sua dirigente, a próxima primeira-ministra?
Giorgia Meloni, antiga Ministra da Juventude de Silvio Berlusconi, cofundou o partido Nacionalista Fratelli d´Italia em 2012. Surge na política muito jovem, como dirigente da Juventude da Aliança Nacional. Admiradora de Benito Mussolini, diz que o mesmo foi um “bom político” e tudo o que fez “foi para o bem de Itália”.
Contudo, Giorgia Meloni fez tudo bem. Maquilhou os seus pontos fracos e reforçou as suas virtudes. Podemos até dizer que tirou notas de Gianfranco Fini, passando uma falsa imagem de tranquilidade e união. Meloni moderou-se no discurso antieuropeísta, colocou de lado a sua agenda, e enquanto veste a pele de cordeiro e grita que não é fascista, os seus apoiantes fazem a saudação romana.
Recuperando a chama tricolor do Movimento Social Italiano, conhecido movimento neofascista pós guerra, os FdI apresentam-se como um partido conservador e nacionalista de Itália, tendo as suas raízes fundadoras nesse mesmo partido.
Sob o lema “Deus, Pátria, Família” que o partido orgulhosamente emprega, Giorgia Meloni grita: “Eu sou a Giorgia, eu sou mulher, eu sou mãe, sou italiana e eu sou cristã”, refutando assim qualquer ligação a movimentos fascistas e afirmando que essa frase é “a mais bela demonstração de amor” da sua vida.
Opositores da lei que criminaliza atos discriminatórios com base no sexo, orientação sexual ou identidade de género, os FdI são, abertamente, a favor de uma revisão constitucional, contra o casamento homossexual e a adoção entre pessoas do mesmo sexo.
Debaixo dos holofotes mediáticos, os FdI agitaram a bandeira de terem sido o único partido a não suportar o governo de Draghi. Assim, passaram a ser o maior partido da oposição e isso valeu 26% de intenções de voto no passado dia 25 de setembro. Desta forma, 2022, passa a ser inscrito nos livros de história como o ano em que os fascistas voltaram ao poder, depois da coligação de extrema direita que junta FdI, Liga e Força Itália, reunir mais de 44% dos votos italianos.
O rescaldo desta eleição é mais perigoso se considerarmos que a Itália, país fundador da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, passa a ser representada no Conselho Europeu por alguém abertamente antieuropeísta. Num contexto difícil como o que se avizinha para os povos europeus, Giorgia Meloni, que se assumiu abertamente contra as medidas de contenção contra a COVID-19 e anti-imigração, certamente não será uma voz colaborativa no consenso necessário para as medidas que a União necessita de tomar a breve trecho.
Esta eleição, a par da eleição da Suécia, deve ser encarada como um grito de alerta. Depois de inúmeras evidências histórias, crimes cometidos em nome de um “bem maior”, e uma limitação de direitos e garantias, vemos a esperança das pessoas a ser depositada em movimentos extremistas.
A descrença da sociedade nas instituições públicas corrói a democracia. É importante dar um passo atrás e avaliar os motivos. É preciso ganhar a confiança das pessoas e evitar que a sua esperança se volte para quem não pode fazer nada por elas. É urgente que a direita tradicional, a direita cristã que ajudou a fundar um novo modelo social pós-guerra, deixe de tentar normalizar a extrema-direita. É urgente que nenhum democrata, nem nenhum partido que não prescinde dos mais basilares valores democráticos, normalize extremismos em pleno século XXI.
A União Europeia deve ser o garante do valor da democracia, e deve, a todo o custo, ser o chão que protege todos os cidadãos que vivem debaixo da cidadania europeia. Praticamente a um mês dos 100 anos da marcha sobre Roma, eis-nos aqui: a ver subir ao poder as ideias que nos atiraram para o horror da guerra e da intolerância, e que a tanto custo combatemos nos últimos 80 anos.
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