Ultimamente, tenho recebido várias mensagens com questões sobre a possível transmissibilidade de doenças entre nós e os restantes animais. Parece-me que esta tem sido uma preocupação crescente no seio da sociedade, não só pela Covid-19, como pelo o reavivar de recordações da gripe A, da encefalopatia espongiforme bovina (commumente apelidada de “doença das vacas loucas”) e mais recentemente pela monkeypox.
Esta realidade designa-se de “zoonose” – palavra que define as doenças transmissíveis entre animais e humanos – foco de estudo pela ciência e demais entidades que cuidam da saúde pública. De resto, não há qualquer expressão equivalente em relação aos restantes Reinos da natureza, como o das plantas, com as quais não partilhamos doenças, sobretudo pelo seu distanciamento genético.
Afinal, como lidamos com as zoonoses? Antes de mais, permitam-me uma breve reflexão.
Além do que é facilmente observável, a proximidade entre espécies animais tem muito que se lhe diga. Geneticamente, somos bastante chegados aos outros mamíferos, existindo ainda uma proximidade considerável com os restantes seres vertebrados. Esta “familiaridade”, ajudou-nos a atingir o domínio que hoje temos, estou convencido. O sucesso foi tal, que para cada caso conseguimos selecionar artificialmente as características que nos eram mais proveitosas. A proximidade genética e o habitat comum, desempenharam um papel decisivo neste desfecho, que foi muito para lá do comensalismo ou simbioses naturais. Não acredito ser por mero acaso que não existam insectos, moluscos ou répteis domésticos. Até mesmo no caso dos peixes, muito poucos encaixam nesta designação.
A domesticação é ainda um processo demorado, que toma milhares de anos e não deve ser confundida com amestramento, como no caso dos papagaios de estimação (e outros), que apesar de poderem estar ensinados ou treinados, não são por essa via domésticos; são sim selvagens, de qualquer das formas.
Ora, quer a proximidade genética, quer a proximidade física, trazem outro tipo de desafios, sendo um dos mais problemáticos o das doenças zoonóticas.
Por norma, as principais zoonoses estão associadas aos animais com os quais temos mais contacto (domésticos ou não), sendo habitualmente víricas, parasitárias ou bacterianas. Um dos exemplos mais conhecidos é o da raiva, zoonose causada por um vírus. Outras, parasitárias, podem ser-nos transmitidas pela maioria dos animais domésticos ou selvagens, incluindo os peixes. Restantes bactérias e fungos são também veiculados por todos esses animais, pertencendo estas doenças ao domínio do conhecimento científico e sendo cuidadosamente observadas, despistadas e controladas pelas autoridades sanitárias.
Assim sendo, qual a importância da Medicina Veterinária neste cenário?
A história da Medicina Veterinária é antiga e teve vários propósitos ao longo do tempo. Foi evoluindo, ora paralelamente, ora conjuntamente com a Medicina Humana. Mais recentemente, após ser um ramo de apoio a cavalos militares, começou por fim a estender-se à finalidade da protecção da saúde pública, expandindo-se depois aos cuidados específicos dos animais de companhia.
É verdade. Quem estuda para se formar em Medicina Veterinária, aprende logo ao início que não tem somente um, mas sim dois deveres superiores: para com os animais e para com as pessoas. O foco na saúde pública é praticamente transversal ao longo do curso, onde são formados os Inspectores Sanitários e Médicos Veterinários afectos aos diferentes ramos da produção animal, indústria alimentar e cuidados municipais. São estes os profissionais que trabalham diariamente para prevenir a propagação de zoonoses e que fazem jus à recente máxima: “animais e humanos, uma só saúde”.
Novos desafios surgem, particularmente quando se trata de doenças provenientes dos animais selvagens. Por vezes, são doenças novas, que não sendo zoonoses no sentido estrito do termo, são fruto de agentes infecciosos que se adaptaram às nossas especificidades fisiológicas e histológicas.
Enfim, a história conta-nos a impossibilidade de prever a origem do próximo surto epidémico ou de uma pandemia. Ainda assim, podemos promover a educação para prevenção e para a precaução. Devemos manter um distanciamento higiénico dos que não nos são chegados, sob pena de termos de lidar com doenças como a monkeypox, ou de proporções mais críticas, como o caso da Covid-19.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.