1. Os problemas da ADSE voltaram à ordem do dia. Agora não pela sua sustentabilidade, mas pela guerra aberta com os prestadores. De facto, com as novas tabelas de preços em vigor desde 1 de setembro, muitos operadores, entre os quais os grupos mais importantes, decidiram retirar das convenções com a ADSE muitos atos que consideram estar com preços abaixo do custo. Nestas circunstâncias, fica em causa o acesso de muitos beneficiários a cuidados prestados em regime de convenção, ou seja, pagando diretamente pouco (em geral 20%) tendo em conta a comparticipação elevada da ADSE (80%). Os operadores decidiram definir preços mais em conta para os beneficiários desses serviços, mas em regime livre. Isso significa que estes têm que pagar, à cabeça, o total do serviço, solicitando depois o reembolso, em parte, da ADSE, o que por vezes pode tardar meses. Em conclusão, estreita-se a capacidade financeira dos beneficiários e limita-se o acesso àqueles que têm mais elevados rendimentos.
Não é bom para os beneficiários, acaba por não ser bom para os próprios operadores, e a ADSE vê drasticamente diminuída a sua oferta de serviços alternativos ao SNS.
2.Tudo isto nos remete para a questão política central deste debate, de que os políticos fogem como o diabo da cruz: devemos promover um SNS de qualidade e fácil acesso para todos ou resignarmo-nos a considerá-lo sofrível e, em contrapartida, incentivarmos formas privilegiadas de acesso a serviços de saúde para os funcionários públicos? Estas formas de “opting out” desoneram, em parte, a despesa pública (o Estado lá estará sempre como almofada no caso das contas se desequilibrarem) e aliviam a pressão sobre o SNS, mas criam bolhas de consumo de cuidados de saúde muito acima do comum dos cidadãos, com custos muitas vezes excessivos e pouco pertinentes. A equidade sai fortemente prejudicada, a oferta privada passa a dispor de uma boa alavanca de negócio, os profissionais de saúde começam a migrar cada vez mais para o setor privado e o SNS vai tendo cada vez mais dificuldades. Cria-se um círculo vicioso imparável e difícil de reverter. A direita agradece e a esquerda?…
3. Com a revisão das suas tabelas de comparticipação, que deveriam ter entrado em vigor no 2º trimestre deste ano e cujo apronto foi sendo sucessivamente protelado até agora, a ADSE tentou balizar a sua atualização dentro de três princípios essenciais: a) não aumentar a carga global de comparticipação dos utentes; b) condicionar os abusos, quer dos beneficiários quer dos operadores, limitando a frequência de atos ou os valores de serviços prestados (consultas/ano, preços de medicamentos, próteses e outros “devices”); c) atualizar o leque de atos comparticipados e descomparticipar noutros casos, tendo em conta a evolução da ciência médica e das tecnologias.
Quando hoje olhamos para a tabela de preços da ADSE, encontramos uma variedade ilimitada de atos e procedimentos, em ambulatório, em internamento ou no domicílio, com a especificação dos valores de comparticipação e de pagamento direto do utente, numa floresta impenetrável de regras e exceções impossíveis de entender pelos beneficiários e quase inacessíveis aos próprios operadores. Os atos raramente aparecem integrados, com a referência a uma doença ou patologia, não se referem níveis de complexidade ou de gravidade e parece também não levarem em conta a idade dos utilizadores. Ter formas de pagamento com estas caraterísticas significa um sensível atraso face às melhores prática internacionais, em que o doente é visto na sua globalidade, os procedimentos são entendidos de acordo com o estado de saúde e a gravidade e os resultados, leia-se tempo de vida e qualidade de vida dos utentes, é objeto de escrutínio. Ou seja, hoje em dia pretende financiar-se a criação de valor para os doentes e não a produção avulsa de atos.
Os modelos de contrato entre financiadores e prestadores são hoje em dia balizados por princípios de partilha de risco, por forma a promover a qualidade, a pertinência na utilização e a eficiência técnica face aos resultados clínicos obtidos. Um exemplo muito simples: um doente com 30 anos é operado ao apêndice. Este ato prevê, por hipótese, 3 dias de internamento em cama normal. Mas a cirurgia correu mal, o doente foi 3 dias para cuidados intensivos e só teve alta ao 8º dia. A ADSE pagará além da tabela, conforme o que lhe for apresentado pelo operador, sem entender a razão da complicação registada e a eventual responsabilidade do prestador neste incidente. Ninguém se responsabiliza por erros ou negligência. Pelo contrário, a ADSE premeia-os!
4. Mas há na nova tabela de preços um ponto inovador particularmente sensível para operadores e utentes, designadamente para pequenos ou médios prestadores de meios complementares de diagnóstico. Na sua nota introdutória número 9, a nova tabela impede, através da sua alínea b), que as prescrições realizadas em sede do SNS ou dos SRS possam ver os respetivos encargos transferidos para a ADSE, por opção do beneficiário. Quem prescreve é um médico do serviço público, mas quem irá pagar é um subsistema privado. Esta transferência de responsabilidade financeira pode ser interessante para o utente, pois poderá ter acesso mais rápido ao serviço, mesmo quando haja no mercado prestadores convencionados com o SNS/SRS. E pode também ser interessante para os prestadores, que passam a ter mais flexibilidade na faturação e na promoção da sua atividade. Mas representa um encargo ilegítimo para a ADSE, porque não é ética e economicamente aceitável que o prescritor (público) se desresponsabilize totalmente dos custos dos atos que prescreve. O famoso princípio do prescritor-pagador não é respeitado. Pois bem, esta disposição da nova tabela da ADSE provocou uma forte reação dos operadores privados que pretendem ver revertida esta disposição. Em poucos dias a ADSE recuou nos seus propósitos e parece admitir agora voltar à velha formulação. Estou convencido que a direção da ADSE estava completamente segura da bondade e lisura das alterações introduzidas, mas como estamos em período eleitoral tal recuo compreender-se-á melhor à luz dos interesses políticos do momento.
5. A ADSE tem que rever de alto a baixo o seu posicionamento perante os beneficiários e o mercado. Não me parece fazer sentido ser o Estado a gerir este subsistema, porque ele é essencialmente suportado pelos próprios beneficiários, através de um desconto equivalente a 3,5% dos seus salários brutos, o que não é coisa pouca. Já com este governo, foi discutida a possibilidade de se passar a gestão da ADSE, total e integralmente, para os beneficiários. Trata-se de um seguro de saúde alternativo ao SNS, de base solidária intra – grupal, de natureza voluntária e ilimitado nos benefícios que confere. O Estado dispõe de um serviço de saúde também integral, universal e solidário para todos os cidadãos (SNS/SRS), não fazendo hoje sentido que se responsabilize por dar aos funcionários públicos um serviço acrescentado de saúde para compensar os baixos salários, como ocorria antes do 25 de abril, em que não havia acesso gratuito e universal a cuidados de saúde. Optou-se, então, no XXI governo constitucional, por um meio caminho, que consistiu numa operação de cosmética em que os trabalhadores passaram a participar no órgão essencial de aconselhamento e também de decisão. Será tempo de repensar tudo isto e terminar com esta situação incoerente em que quem defende o SNS, defende também o “opting out” e, afinal, alavanca os operadores privados. O Estado é, vendo bem, o grande defensor da discriminação no acesso aos cuidados de saúde: os pobres estão bem no SNS, a classe média deve procurar alternativas no setor privado, que parece funcionar melhor e mais depressa…A saída do Estado deste processo totalmente incoerente e iníquo é a única solução séria e politicamente aceitável e não, como dizem o PSD e o CDS, dar a cada português uma ADSE!
INDICE SINTÉTICO DE RISCO DO SARS – CoV -2 ( semana de 20 a 26 de setembro)*
A gravidade da Covid -19 e os riscos associados têm diminuído de forma consistente desde a semana iniciada a 2 de agosto pp (índice sintético global de 0,9173), apresentando nesta última semana o valor de 0,4074:
INDICE SINTÉTICO: 0,4074 (baixo risco)
COR DO SEMÁFORO: verde
TENDENCIA: descida
DIMENSÃO PIOR: número de óbitos
DIMENSÃO MELHOR: número de novos casos
(*) valores calculados de 20 a 25 de setembro
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.