Nunca hei de perdoar Portugal por não ter conseguido fazer aquilo que o Brasil tão bem fez: um Museu da Língua Portuguesa. Perdoem-me, porque peco por defeito: nós por cá não lográmos fazer uma vez aquilo que o Brasil já por duas vezes fez, dado que, a 31 de julho, em São Paulo, é inaugurado, pela segunda vez, o Museu da Língua Portuguesa, destruído em dezembro de 2015 por um incêndio. De verdade: sinto vergonha por não termos conseguido eleger governante, gerar iluminado ou instituição capazes de idealizarem e concretizarem algo tão simples e tão evidentemente pertinente.
Acho louvável que haja um museu da nossa língua – desde logo, porque não é só nossa, porque também é deles – no Brasil, mas é desolador que não tenhamos sido nós a ter a ideia e a fazê-lo em primeiro lugar. Se fomos nós a criar a língua, passe a simplificação, também deveríamos ser os seus principais curadores – no sentido original, do latim «curāre», que significa tratar, cuidar de, responsabilizar-se por – e por isso capazes de erguer uma grande casa que a dignificasse e onde fosse possível apreciá-la, entendê-la melhor e bendizê-la na justa medida.
Eu, que não recuperei deste trauma desde que, há uns anos, visitei o museu agora reconstruído com o dinheiro da EDP Brasil, sinto já vontade de regressar a São Paulo, a cidade do mundo em que há mais falantes de português (a população da cidade ultrapassa os 12 milhões de pessoas e a da região metropolitana os 21 milhões), para conhecer o novo museu e a sua Praça da Língua, ou o seu Mapa dos Falares.
Registadas que estão frustrações e vontades, partilho uma esperança, ou talvez mesmo até um desejo. O Museu da Língua Portuguesa de São Paulo reabre num ano em que se assinalam os 25 anos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), o mesmo ano em que se diz que arrancará a obra do Museu da Língua Portuguesa de Bragança, um sonho bonito do autarca daquela cidade, Hernâni Dias, idealizado antes de o seu primo brasileiro ter sequer ardido, mas infelizmente nunca saído do papel. Desejo que o museu brigantino – ou bragançano, como no meu entender soa melhor – constitua mais um motivo para o restante Portugal viajar até ao nordeste transmontano, que escolas de todo o país o visitem e que possamos constatar factos tão interessantes e animadores como os que, não por acaso, para aqui trago para terminar: durante os dez anos de funcionamento, o Museu da Língua Portuguesa de São Paulo recebeu quase 4 milhões de visitantes, o que pode parecer bom, se não tivermos em conta, por exemplo, que Serralves teve, só em 2019, ou seja, em um décimo do tempo, e numa cidade como o Porto, que é 57 vezes menor do que São Paulo, mais de 1 milhão de visitantes. Haja esperança. Nós por cá sabemos fazer. Mas façamos.
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