Aguardava que isto acontecesse a qualquer momento. Hoje, ao abrir um email, sou informado da morte da mãe de uma amiga muito especial. Era natural que viesse a acontecer. Mas custou ler a descrição, o contexto narrado.
Talvez o maior dano que a sociedade está a sofrer com esta pandemia se encontre na confinação em si, na impossibilidade de estar perto, de tocar, de estar ao lado. Tenho escrito sobre essa dimensão a vários níveis, especialmente o religioso. Mas é no campo da vida de cada um, naquilo que ela tem de único e intransmissível que tudo é mais dramático.
Posso entender, ao ver uma notícia na televisão, que os funerais não possam ser o momento de ajuntamentos. Mas ver partir um pai ou uma mãe sem poder fazer uma despedida, sem ver o rosto há largos dias porque a pessoa doente estava internada… é brutal.
Não há como fazer luto, não há como encontrar um consolo. É solidão plena, até na morte. Uma solidão que não encontra nos rituais um espaço sagrado, nem cria um momento de intensidade derradeira com uma despedida. É uma morte fria, inconsolada e impotente em tudo.
Já há uma ou duas semanas falara longamente com um amigo que vive em Portugal e tem os pais, idosos, em Itália. Não os pode, sequer, ir visitar. Possivelmente, desde o Natal que os não vê, cara a cara. É uma distância virulenta na incapacidade de reagir. É o máximo da impotência.
Nesse caso, a conversa desaguou na perspetiva, mesmo que remota e nada desejada, da “partida” dos pais. Com as fronteiras fechadas, seria impossível ir a Itália se algo de complicado acontecesse. Era o exílio na morte.
Para esta minha amiga foi-o. Não o exílio por estar longe, mas o exílio por uma morte que, longe de poder ser vivida no abraço e no gesto que estes momentos implicam, se transformou num exílio de sentimento. Num não saber viver aquilo para que não temos, nem códigos, nem reações instintivas definidas.
Que fazer com a morte nestas circunstâncias? A única solução seria a suspensão, como Saramago num brilhante texto um dia imaginou. Mas não é possível. Afinal, a morte é o alimento deste monstro que nos deixa sem movimento, isolados e sozinhos.