Em entrevista à VISÃO da semana passada, António Damásio explicava por que motivo é importante mantermo-nos otimistas. O pessimismo, justificava o neurocientista português há muitos anos a viver nos EUA, contribui ele próprio para o declínio. A frase pode ser entendida como um conselho para estes dias difíceis, mas é mais do que isso: devemos vê-la como uma postura ética, filosófica e até política (no sentido lato do termo). Dito de maneira mais simples, como a apologia de um certo modo de estar.
Tempos houve em que o otimismo fez parte da linguagem política nacional. Ultrapassada a crise da Troika, os ventos pareciam correr-nos de feição e, numa das suas picardias, Marcelo Rebelo de Sousa chegou a apelidar António Costa de otimista “crónico e até ligeiramente irritante”. Agora, o nosso colossal desafio consiste em manter esses níveis elevados de otimismo, naquela que é uma das maiores crises das nossas vidas. Neste inverno de todas as pandemias (sanitária, económica, democrática…), somos impelidos não a optar entre a economia e a saúde, mas a aguentarmo-nos no ténue equilíbrio instável que nos permitirá sobreviver. Mantermo-nos otimistas não significa ignorarmos as adversidades, fingirmos que não existem dificuldades na “linha da frente”, embebedarmo-nos nas nossas verdades absolutas, esquecermo-nos dos que não têm as mesmas condições de navegabilidade que nós (dos que estão no porão, na metáfora utilizada pelo Presidente da República). Mantermo-nos otimistas quer dizer, em grande parte, acreditar e confiar: não em teorias mais ou menos fantasiosas, promessas de um “homem novo”, mas na razão dos homens, no progresso científico e tecnológico, nas instituições e nos mecanismos democráticos. Estes não são conceitos fora de moda, para alimentar o espírito em tempos de pandemia. Há mais de duas décadas que Francis Fukuyama – o homem que, no rescaldo da queda do Muro, encontrou o fim da História na ascensão das democracias liberais do Ocidente – chamou a atenção para o impacto da confiança entre os agentes da sociedade americana no desenvolvimento económico.
No princípio desta semana, o violoncelista de ascendência chinesa Yo-Yo Ma, numa entrevista ao New York Times, a propósito do seu novo disco, Songs of Comfort and Hope, também afirmou: “Além dos bens essenciais, as pessoas precisam umas das outras. Precisam de música.” Entende-se a fadiga pandémica e a ansiedade perante a imprevisibilidade do futuro. Entende-se a angústia face à lentidão das respostas políticas. Entende-se o desespero dos que estão nos setores mais afetados. Não se entende a desesperança, sobretudo de quem não está no “porão”. Encaremos a realidade, precisamos de nos preparar para o que aí vem, precisamos de música!