Existem suficientes razões para valorizarmos o transporte público sob várias perspetivas – económica, política e cultural, mas o transporte público é muito mais do que isto, porque permite a conexão entre pessoas, que de outra forma seria impossível. É, por isso, premente que se entendam as prioridades das empresas de transporte de pessoas para avaliar se é de facto viável a manutenção dos modelos atuais de contratação ou se se devem analisar modelos alternativos que permitam aumentar a eficiência e eficácia deste serviço.
As empresas de transporte de passageiros vivem num ambiente de diversos desafios, que, por sua vez, impõem ritmos e decisões que são provavelmente impossíveis de implementar, devido à sua complexidade e às restrições que lhes são impostas, por governos, acionistas ou mesmo pelo mercado.
Se pensarmos nos referidos desafios, estas empresas têm de manter estratégias agressivas para lidar com as questões de: qualidade de serviço; SLA de transporte de passageiros; manutenção do equipamento de transporte; aumento da eficiência do transporte de passageiros; manter e até aumentar os níveis de segurança do transporte de passageiros; implementar as normas e orientações das entidades de supervisão do setor, e acomodar os reduzidos orçamentos nas constantes necessidades de investimento futuro.
Perante este cenário, é justo dizer que será bastante difícil que as empresas de transporte de passageiros consigam obter o nível e qualidade de serviço pretendida, uma vez que se torna impossível vencer todos os desafios em simultâneo. A própria indústria de equipamentos de transporte de passageiros (e porque não de mercadorias) esteve durante demasiados anos associada às transações de equipamentos – hardware (veículos, equipamentos, etc.) –, sem dar muita importância à componente de dados que se poderia obter da utilização destes equipamentos.
Atualmente, vemos diversos construtores a propor equipamentos de transporte que já incluem a monitorização de todas as fases do ciclo de transporte em elaborados modelos de tratamento de dados. Estes modelos de tratamento de dados suportam desde o nível da simples operação dos equipamentos de transporte até aos aspetos de manutenção dos mesmos.
Aparece assim uma nova oportunidade para construtores e operadores, de contratarem infraestruturas de transporte suportadas por dados (SDI – Software Defined Infrastructure), onde o bem essencial passa a ser a informação que se recolhe e que se analisa dos equipamentos de transporte, por oposição à venda do simples equipamento de transporte.
Se nos focarmos no transporte ferroviário, já se encontram diversos concursos a nível internacional onde não só foram fornecidos os respetivos equipamentos rolantes, mas como também toda a plataforma de recolha e análise da informação de operação e manutenção – medindo por exemplo os tempos de transporte, rotas, sensores de hidráulica, temperaturas, etc.
Este modelo permite o aparecimento de novos modelos de negócio onde a empresa contrata um serviço de transporte, baseado em níveis de serviço que são garantidos por fornecedores que implementam modelos avançados de data science.
Remetendo para o mesmo exemplo, um comboio debita cerca de 25 GB de informação por dia para uma plataforma de recolha de dados sobre o estado e evolução dos diversos sensores instalados. A referida informação deve ser processada em alguns casos em modelos near-real-time, por forma a conferir qualidade em determinadas decisões de operação do equipamento.
Um dos impactos mais relevantes destes modelos é ao nível da manutenção preditiva, onde se consegue prever a probabilidade de ocorrência de uma falha muito antes dela acontecer, obtendo assim elevados ganhos de eficiência ao nível de toda a cadeia logística de manutenção e assim como no serviço disponibilizado. O principal impacto desta alteração é naturalmente ao nível da qualidade de serviço percecionada pelos passageiros que passam a contar com menos falhas dos equipamentos de transporte.
Os ganhos deste novo modelo são bastante significativos em muitas outras dimensões. Por exemplo, a nível financeiro, deixamos de exigir esforços de investimento CAPEX para podermos aceitar modelos OPEX baseados em taxas de sucesso e níveis de serviço efetivamente dependentes do número de passageiros transportados; e a nível de risco passamos a partilhar o risco da operação com o fornecedor, conseguindo elevados ganhos por conta do seu envolvimento em todas as fases do ciclo de transporte.
E porque não pensar nesta evolução para outros meios de transporte como o automóvel, mercadorias, aviação, etc. – a evolução natural para o transporte em modelo “as a service”.