Querem lugares estranhos? Aqui vai um deles: as ilhas flutuantes do lago Titicaca. Sim, leram bem: ilhas flutuantes. Todas as ilhas parecem flutuar à superfície dos mares do mundo. Mas na realidade é apenas uma ilusão de óptica. Por baixo, mantêm-se organicamente ancoradas ao fundo. Pelo contrário, estas ilhas no lago Titicaca não se apoiam, estão a boiar. São completamente artificiais. São feitas de camadas sobrepostas de juncos, como tapetes ou colchões. Umas por cima das outras, várias, até terem a densidade e o volume suficientes para aguentarem com o peso das pessoas e das suas coisas.
As pessoas e as suas coisas vivem em cima destas camadas de juncos. Tal como nós, habitam nas suas casas, deslocam-se até às casas dos amigos, cozinham, trabalham, descansam, fazem amor e têm filhos e mais tarde também netos. E depois um dia morrem. Tal como nós. Mas ao contrário de nós, tudo nas vidas delas acontece em cima de um chão fofo e desenraizado que se agita e se ajeita e se afunda levemente quando caminhamos sobre ele. Não há passos sólidos nem movimentos bruscos nesta existência lagunar. Tudo se desenrola em modo lento, suspenso, pausado. A única semelhança com a forma como se caminha nas ilhas flutuantes do lago Titicaca encontra-se no passo largo e leve dos astronautas na ausência de gravidade. Todos nos sentimos moonwalkers aqui.
O sentimento de aventura cósmica acentua-se com outro factor: a altitude. Estamos a quase 4 000 metros. O Titicaca é o lago navegável mais alto do planeta. Ocupa um planalto apertado entre os enormes maciços cobertos de neves eternas da Cordillera Central, ao mesmo tempo distantes e inatingíveis mas perfeitamente delineados na atmosfera rarefeita e cristalina. Os raios ultravioleta não têm barreiras à sua agressividade desumana e o vento gelado precisa apenas de ser brisa para já nos causar uma tremenda sensação de fragilidade e desconforto. Quando desembarcamos nas ilhas flutuantes do lago Titicaca, pensamos que perdemos a ligação com o planeta carinhoso e aprazível em que crescemos.
No entanto, para os seus habitantes, o planeta em que cresceram é assim. Um planeta que impõe um modo de vida duro, cruel, rigoroso, adverso. O chão ondulante e absorvente onde caminham, irradiando um sentimento amniótico desde a planta dos pés até ao resto do organismo, oferece a única delicadeza, o único bálsamo, contra os rigores do clima e da altitude, contra a alimentação parca e deficitária, contra a falta de perspectivas económicas e académicas.
Visito a escola primária. Não há outra. Liceus, hospitais, bancos, mercearias, cemitérios, está tudo na margem, na terra firme, na cidade peruana de Puno. Porque não estão eles, os habitantes, também na margem? Porque insistem em viver aqui, a comer sempre a mesma dieta de peixe e raízes de juncos, a sofrer a humidade no corpo, a deixar que a modernidade lhes passe ao lado? “Porque somos daqui”, respondem. Terão inventado estas ilhas durante o período de expansão territorial do império Inca, uma fuga, um refúgio, uma afirmação de identidade e independência dos Uros, povo cuja origem permanece envolvida em mito e mistério e cujo sangue se foi diluindo nos séculos seguintes nas incursões e nas conquistas de outras etnias – mas os Uros resistem, permanecem.
E flutuam. Dizem que se sentem mais perto do céu e que descendem do Sol. Quando se movem, são como astronautas a beijar a Lua. E cada passo que dão lhes restitui o embalo primordial do ventre de sua mãe. Nós, pelo contrário, corremos depressa e mesmo assim chegamos sempre atrasados na nossa vida apoiada em terra firme e cimento e auto-estrada.