O mundo da investigação científica é muitas vezes equiparado a uma Torre de Marfim. A realidade em Portugal é bem diferente: a ciência não tem a importância de uma torre nem lhe é dada o valor do marfim. Em vez de tão nobre habitação, a nossa ciência reside num aquário. É um peixe vermelho numa redoma de vidro. Decorativa para uns, salutar amostra da natureza para outros, o aquário faz parte desse grande apartamento que é Portugal, mas não determina a vivência dos condóminos nem ocupa lugar de destaque.
A investigação científica portuguesa tem boa reputação e é vista como uma atividade útil num sentido abstrato. Se fosse feita uma sondagem para o efeito, é muito provável que os portugueses a identificassem como tal mas, com certeza, não conseguiriam concretizar com precisão um exemplo de um contributo da ciência nacional para o progresso social. Não admira. A ciência, em Portugal, desenrola-se predominantemente como uma atividade sectária e segregada, fechada sobre si própria. A continuidade entre a investigação científica e o quotidiano da esmagadora maioria dos cidadãos é débil e difícil de vislumbrar. O que fazemos em investigação farmacêutica pouco impacta na indústria do medicamento, por exemplo. O mesmo se dirá do impacto da investigação médica, que pouco impacto tem na prática clínica em Portugal; o inverso é igualmente verdadeiro. Neste contexto, tentando colmatar o hiato entre investigação e prática médica, a Resolução do Conselho de Ministros 27/2018 criou a AICIB (Agência de Investigação Clínica e Inovação Biomédica), que teria «por fins o apoio, financiamento e promoção da investigação clínica e de translação, bem como da inovação biomédica»[1]. No entanto, passado mais de um ano, nada aconteceu de relevante até hoje. A AICIB continua uma miragem e a investigação médica continua sem uma aposta estratégica clara. Longe vão os tempos do início da legislatura em que a investigação clínica era anunciada – a par da avaliação dos institutos, centros e laboratórios de investigação científica – como uma aposta prioritária do MCTES (Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior). Uma intenção abandonada e esquecida? As Unidades de Saúde, os Centros de Investigação e as Instituições do Ensino Superior bem necessitariam de estímulos integradores para a convergência das suas ações e transposição do conhecimento conceptual laboratorial para a prática clínica e para o ensino médico. Não aconteceu e não sabemos se acontecerá.
É urgente esclarecer se a AICIB alguma vez se concretizará e se a FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia) perante este limbo, assegura autonomamente uma aposta estratégica na Investigação Médica ou se abdicou deste objetivo. Não são apenas os investigadores que precisam de ser esclarecidos para saberem que voltas dar no seu pequeno aquário, mas a população portuguesa, tão necessitada de mais e melhores cuidados de saúde. E, tratando-se de investigação científica, não me refiro apenas aos cidadãos e cuidados de saúde de hoje mas principalmente aos do futuro.
[1] Nota do autor: “investigação de translação” resulta de um aportuguesamento precipitado de “translational research”, que corretamente se deveria denominar investigação de tradução, isto é, investigação que traduz novo conhecimento científico em relações clínicas.
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