Tudo começou em 2015 a convite de Paulo Cunha e Silva. O Pelouro da Cultura da CMP tinha um novo projeto chamado Cultura em Expansão, cujo objetivo era levar arte e cultura aos bairros mais desfavorecidos da cidade. Dentro desse projeto maior, nasceu o OUPA e eu integrei a equipa.
A ideia era fazer uma residência artística de seis meses no Bairro do Cerco do Porto, com oficinas de escrita, produção musical, vídeo e conceção de espetáculos, tudo para culminar num grande concerto no Rivoli, em que se apresentaria o trabalho feito e um documentário sobre o processo. Foi uma aventura!
Passámos bem mais do que seis meses no terreno e, após um inesquecível espetáculo no Rivoli, em que o bairro e a cidade compareceram em peso, conseguimos deixar um estúdio comunitário no Cerco e multiplicar as apresentações em muitos outros concertos pontuais. As lágrimas emocionadas de todos os que compareceram na grande estreia no teatro municipal repetiram-se quando o recém-eleito Presidente Marcelo foi especialmente ao bairro assistir a um showcase do OUPA Cerco. O grupo de jovens estava unido e focado no objetivo de dar continuidade ao trabalho e, até hoje, tem honrado o compromisso em autogestão.
No ano seguinte, a equipa do OUPA foi convidada a transportar o projeto para os bairros da freguesia de Ramalde e, mais uma vez, passámos vários meses a trabalhar letras, beats e vídeos, até chegar ao Rivoli e cumprir com as expectativas altíssimas que o ano anterior tinha deixado. Foi intenso e gratificante como na primeira vez. E, após o espetáculo final, ficou imediatamente apalavrada uma continuação.
Assim sendo, 2017 foi o ano dos bairros de Lordelo e foi numa sala do Centro Paroquial da Pasteleira que trabalhámos, diariamente, até estarmos prontos para surpreender pelo terceiro ano seguido. A periferia tomando a sala nobre da cidade para mostrar talento, reforçar a autoestima dos jovens e o seu sentimento de pertença ao bairro, como terreno de criação (e não mais de estigma).
Três anos de trabalho continuado, com o foco em dois eixos importantes: indivíduo-coletivo / bairro-cidade, para tornar o Porto mais coeso, para tornar o Bairro orgulhoso de si e dos seus, e capacitar jovens muito talentosos, que apenas precisam de algumas ferramentas, para fazer de forma mais eficaz e profissional aquilo que criativamente já tentam pôr em prática no quotidiano.
No fim de cada espetáculo, no escuro da coxia, o orgulho superou sempre a exaustão. Porque não foi tudo fácil, porque exigiu sempre um grande espírito de missão e um compromisso quotidiano. Porque foi duro, na gestão de egos e conflitos, expectativas e resistências, falta de organização e disciplina. Mas foi ainda mais enriquecedor e gratificante, enquanto grande aprendizagem.
Em 2018, o Pelouro da Cultura voltou a instigar a nossa equipa e a proposta foi juntar um grupo de jovens dos três territórios (Cerco, Ramalde e Lordelo), para gravar um disco “a sério”. A intenção seria profissionalizar ainda mais o processo criativo, para consolidar o trabalho feito nos anos anteriores, consumando-o editorialmente. Mãos à obra! Foram selecionados elementos de cada grupo e a dream team formou-se: Joca, Drunk Nigga, Ricardinho (do Cerco), LS, Doc Carismático e Lucas Garcez (de Ramalde) e Mónica Sol e Bonaparte (de Lordelo). Após várias semanas de escrita e composição, fomos para estúdio e fechámos o disco – Cidade Líquida.
Este, além de demonstrar o talento dos seus autores (que muito me orgulham), demonstra a grande vitalidade da cena rap portuense e o forte traço identitário que a caracteriza, mesmo quando os estilos, as linguagens, os registos e as vozes são múltiplos. O amor, o rap, a tribo, o País, a festa e a redenção, escritos e cantados por diferentes sensibilidades e timbres, num álbum tão coletivo quanto uníssono, que celebra a música como força transformadora! (Sai esta semana. OUPA!)
(Crónica publicada na VISÃO 1342, de 22 de novembro de 2018)