1 Não tenho exatamente simpatia (estou a ser altamente eufemístico) pelo PT brasileiro.
Parece-me relativamente óbvio que é o PT o grande responsável pelo abismo ético em que o Brasil mergulhou. Não que o país não sofresse já de um problema endémico, com a corrupção.
Mas foi o PT que elevou esse cancro a patamares nunca antes alcançados, minando a confiança da população nas principais instituições do Estado e criando um sentimento de revolta que parece hoje impossível de conter. Parece-me, pois, ainda mais evidente que Fernando Haddad seria sempre uma péssima solução para governar o país. O Brasil precisaria de fazer um corte com este passado negro e o PT nunca representará legítima ou realisticamente essa rutura. Nem o PT nem nenhuma das figuras mais ligadas ao “lulismo”.
Tudo isto dito, eu, liberal, me confesso.
Sei muito bem de que lado estaria se tivesse de votar nas próximas eleições brasileiras.
E estaria mesmo do lado deste PT que profundamente desconsidero ética e politicamente.
Parece paradoxal? Não é. Aquilo que está em jogo no Brasil não é uma escolha entre duas propostas políticas antagónicas mas equivalentes no plano da legitimidade política (já volto a este ponto).
Aquilo que está em jogo é uma luta contra uma visão da sociedade que, além de obscurantista, é profunda e chocantemente iliberal. Aquilo que está em jogo é a necessidade de repudiar, sem hesitações, um projeto político que assume um frontal desrespeito por alguns dos direitos mais fundamentais da pessoa humana. Aquilo que está em jogo é tentar evitar que o Brasil embarque num retrocesso civilizacional que não é evidente que possa vir a ser revertido por via democrática.
Há momentos na história dos países e das civilizações que não permitem tibiezas. Imaginar que o Brasil tem instituições para lidar com este fenómeno é uma perigosíssima ingenuidade. Basta aliás lembrar o processo de impeachment, o ativismo político de Sérgio Moro ou as declarações impensáveis do general Villas Boas nas vésperas da decisão sobre o habeas corpus. Desdramatizar a questão é, pois, um erro histórico.
Ficar a meio da ponte é um ato de profunda cobardia política. E eu lamento muito que algumas das figuras a que o Brasil mais deve falo, por exemplo, de FHC não saibam estar, desta vez, do lado certo da história.
2 Usei, acima, a expressão “legitimidade política”.
Conscientemente, não usei a expressão “legitimidade democrática”. Por uma razão simples: Bolsonaro será provavelmente eleito e sê-lo-á com inteira legitimidade democrática. Acontece que regresso a um tema que me é caro a democracia não é a única (nem talvez a principal) fonte de legitimidade política dos nossos sistemas demoliberais. A outra fonte de legitimação para mim a principal é o respeito incondicional, inegociável pelos direitos individuais, inalienáveis e fundamentais, com que cada um de nós nasce e que nenhuma maioria deveria poder violar. Ora o que está em causa no Brasil é precisamente o choque aberto, violento, nunca inteiramente resolvido na História entre as duas fontes de legitimidade dos nossos regimes políticos.
Não perceber isto é não perceber nada. E é a forma mais eficaz de abrir caminho às tiranias populares de direita e de esquerda.