A geringonça acabou. Não acabou formalmente, é claro. Nem acabará formalmente antes do fim da legislatura. Mas António Costa já lhe passou a certidão de óbito. Jerónimo e Catarina já o perceberam e, para salvar as aparências, tentarão fazer prova de vida. Mas não se deixe enganar. Já não riscam.
É verdade que a tendência para o BE e o PCP perderem capacidade negocial à medida que a legislatura avança estava inscrita nas estrelas. Com a economia e as finanças públicas de vento em popa, com a popularidade do Governo e do PS em alta, o preço de desfazer a geringonça aumentaria sempre à medida que a legislatura se aproximasse do fim. O que talvez Jerónimo e Catarina não tivessem percebido é que já tinha chegado o ponto de não retorno. O ponto a partir do qual estariam definitivamente enredados na teia de António Costa. O ponto a partir do qual as suas estridentes ameaças de acabar o namoro à esquerda deixariam de ser credíveis.
Para que não restassem dúvidas, António Costa encarregou-se de lhes demonstrar isso mesmo. Primeiro foi um Programa de Estabilidade – talhado à medida de Bruxelas – que ninguém na direita moderada pode atacar com verdadeira convicção e que ninguém na esquerda (imoderada) pode aceitar sem uma revolução nas entranhas. Depois foram os acordos com o PSD. O que lhes falta em substância têm de sobra em simbolismo. O PS, de uma penada, oficializa a irrelevância política dos seus parceiros à esquerda e pisca o olho ao eleitorado do centro-direita.
A geringonça acabou, vão por mim. A corrida para 2019 começou, o PS corre sozinho e corre para ganhar à sua direita os votos que já não lhe escapam à esquerda. Catarina e Jerónimo vão continuar a gritar. Mas sabem bem da sua irrelevância. Sabem que vão caucionar mais um orçamento e já perceberam que vai ser o menos esquerdista de todos os orçamentos. A partir daqui será sempre em direção ao centro, porque é lá que mora a esperança da maioria absoluta. Se se portarem bem, talvez levem mais uma ou outra bandeira fraturante. Mas será tudo.
Arrumada a questão à esquerda, resta perceber as consequências deste óbito prematuro para o PSD. É difícil acreditar que possa beneficiar de um recentramento do PS. O Programa de Estabilidade poderia ter sido escrito por Rio, e os acordos arriscam-se a fazer passar a ideia de que o partido abdicou de fazer oposição a sério. Porque será que o PSD foi então tão lesto a saltar para o regaço de Costa? Estará então tudo louco? Talvez não.
Explico. Acontece que o que é menos bom para o partido pode não ser estúpido para o líder do partido. Estou convencido de que só muito dificilmente o PSD não perderá as próximas legislativas. E tenho
a certeza de que se assim acontecer a liderança de Rio será violentamente questionada. Foi aliás para essa previsível noite de facas longas que se resguardaram muitos dos que não apareceram nas últimas eleições no partido. Ora, se assim for, a única forma de Rio se aguentar na liderança do PSD é levar o partido ao Governo. Apesar de derrotado.
Bem sei que ninguém acredita num cenário de Bloco Central. Talvez não seja, de facto, o cenário central. Mas eu não descartaria a hipótese. Por duas razões. Porque sem maioria absoluta, Costa governará sem problema com quem lhe exigir menos. E Rio não estará em posição de pedir quase nada.
(Artigo publicado na VISÃO 1312, de 26 de abril de 2018)