Servir a causa pública é hoje uma atividade de alto risco. Ser político é “à partida” uma condição sob suspeita permanente. Parece que a comunidade anda esquecida do que significa a ética republicana.
Elegemos todos os titulares de todos os órgãos políticos. E queremos que esses titulares sirvam o interesse público com total transparência e com uma tabela moral que não reduz o certo e o errado ao cumprimento da lei. A ética republicana rejeita privilégios, exige incompatibilidades entre cargos, prescreve a responsabilidade política pelo seu exercício, dita que o poder é temporário. A cidadania inscrita num Estado de direito é uma cidadania de participação, solta de paternalismos estaduais, ativa na vigilância do poder.
A democracia tem de ser defendida diariamente, a democracia não é um valor que nos calha, destituído de significado material, a democracia tem inimigos e um deles é a troca da vigilância pela calúnia e pela difamação, receita explosiva para fazer da política o palco dos atores errados.
A defesa da democracia passa pela defesa da dignidade da política, sendo evidente que assistimos progressivamente a fenómenos antidemocráticos aproveitados por órgãos de comunicação social com apego ao modelo de negócio do Correio da Manhã.
Os partidos políticos também têm parasitas instalados, prontos a fazerem de “denúncias anónimas” armas de guerrilha interna, esperando pelo momento eleitoral certo para a divulgação da calúnia, sabendo que haverá confirmação por parte do MP de que há “investigação” e contando com o grau zero do jornalismo, isto é, com a publicação de factos sem as vestes de “notícia”, com a publicação do que soa a malandragem ainda que sem investigação jornalística, sem nexos de causalidade estabelecidos.
Basta encadear palavras como “compra”, “imóvel” ou “viagens” para a suspeita e a condenação do político ou da política se tornar viral, sendo, na sua eficácia, sempre tardios os esclarecimentos, porque a lama está lançada e não há jornal que peça desculpas pela publicação do engodo. Tudo se passa como se a liberdade de informação fosse liberdade de agressão e vai parecendo que o único poder que deve algo à luta pela defesa da democracia é o poder político condenado à suspeita permanente e não todos os poderes, incluindo, portando, o enorme poder da comunicação social sem regulação que nos valha.
Todas e todos queremos que pessoas de qualidade escolham a coisa pública, mas é justo perguntar se a destruição da política a que vimos assistindo não valida a desistência da sujeição das escolhas de vida ao princípio da suspeita. Sendo assim, e nada mudando, não restam dúvidas de quem restará na política.
(Artigo publicado na VISÃO 1282, de 28 de setembro de 2017)