Cito. “O CES é o órgão constitucional de consulta e concertação no domínio económico e social”. Não se importa de tomar nota? Já aqui volto. Permita-me primeiro que lhe diga que o acordo que agora se vê cair por terra não era de molde a deixar ninguém eufórico. Os patrões não terão gostado de ver o salário mínimo subir sem correlação com a produtividade. Os sindicatos não podem ter gostado de ver o aumento a ser subsidiado pelos contribuintes. Mas a essência de qualquer negociação é de fazer com que ninguém fique eufórico com o resultado final. Negociar é fazer cedências, deixar cair exigências, fazer trocas. E não foi diferente. Ninguém deita foguetes. Mas o facto de ter existido um acordo é em si mesmo substantivo, é em si mesmo positivo. O facto de o acordo nascer sob a égide de um órgão constitucional que tem, precisamente, a missão de os fazer acontecer é particularmente relevante. É sinal de que as instituições democráticas (algumas) funcionam. O CES não é – regresso à citação inicial – um café onde se sentaram meia dúzia de maduros a trocar umas impressões.Mais do que o rasgar de um acordo que, por definição, era insatisfatório para todos, aquilo a que estamos a assistir é ao torpedear de um órgão constitucional (semi) aberto à sociedade civil por outro órgão constitucional onde só têm assento os partidos. Aquilo a que estamos a assistir é de uma enorme gravidade institucional. E é tristemente simbólico. Que tudo aconteça em nome de cálculos político-partidários imediatistas só torna a coisa mais grotesca. (Quase) ninguém sai bem desta tragicomédia.
Não sai bem o governo que tem a responsabilidade de saber e de tornar claro o mandato negocial que tem. Não se pode ser da gerigonça às terças e quintas e fingir ter maioria absoluta às quartas e sextas. O governo depende da maioria de apoio parlamentar. Não pode negociar em sede de concertação ignorando esse facto. Não pode negociar sem ter a garantia de que está em condições de honrar a sua palavra. Só o pode ter feito por grosseira incompetência ou por pura e simples má fé.
Não sai bem o Bloco. Dir-se-á que tinha o espetáculo montado e que não contava com a adesão do PSD. Mas isso não pega. Chegados onde chegámos, o Bloco não perdeu a possibilidade de recuar, de dar o dito pelo não dito em nome de um interesse maior. Mas o Bloco, estou em crer, jamais o fará. Precisa de fazer prova de vida. Precisa de piscar o olho ao seu eleitorado. Precisa de continuar indispensável ao funcionamento da geringonça num momento em que as sondagens deixam o PS no limiar da maioria absoluta. Não há aqui ideologia nem responsabilidade. Há puro oportunismo.
Não sai bem o PSD. Anuncia votar ao arrepio da sua história recente e, mais grave, das convicções ideológicas que alegadamente tem (vota contra a descida da TSU, não contra o aumento do salário mínimo). O facto é revelador do desnorte em que se encontra e devia fazer perceber ao seu eleitorado que o partido atuou como uma plasticina ideológica ao serviço de uma transitória liderança.
Deixo o PC para o fim. Tem a seu favor uma atenuante. A CGTP que é a sua extensão sindical votou contra o acordo. Não fica ilibado da responsabilidade de se associar a esta desautorização da concertação social. Mas vale-lhe alguma coerência.
Nesta história só há dois inocentes. Patrões e Sindicatos. Mas há uma vítima de peso: a credibilidade das nossas instituições democráticas. Depois espantam-se com o Trump.
(Artigo publicado na VISÃO 1245, de 19 de janeiro)