A verdade é que nunca chegamos a estar completamente sós. Mesmo sem ninguém à volta, mesmo no topo de uma montanha longe de qualquer ser vivo. Cada vez mais isto se me torna claro quando viajo sem companhia. Não estou a falar de turistas que se conhecem no caminho, aliás, confesso que não tenho grande paciência para travar conhecimentos indiscriminadamente em cada “hostel” em que me hospedo. Muitas vezes até me afasto, chegando até a fugir daqueles “backpackers” ansiosos por uma boa conversa com um desconhecido sobre de onde vem, para onde vai, que transportes usou, se por acaso não me quero juntar a um grupo de irlandeses para irmos todos beber um copo a um bar aconselhado pela rececionista que vai estar com certeza apinhado de turistas… Se fosse isso que eu quisesse ia mais vezes às Docas ali em Alcântara.
Contam-se pelos dedos os conhecimentos que se travam em “hostels” que não me fazem sentir naquele filme The Beach em que o DiCaprio vai parar a uma comunidade “hippie” na Tailândia, mas sem um único tailandês lá pelo meio; mais ou menos como os Ashrams na Índia…, mas isso é outra conversa. Onde é que eu ia? Sim, nunca estamos completamente sós. É verdade. Claro que gosto de conhecer pessoas, mas principalmente locais, que podem até nem falar a mesma língua que eu, mas cuja naturalidade me pode abrir um bocadinho a janela para um planeta novo. Mas também não é dessa companhia que estou a falar: falo sim, e peço alguma paciência ao leitor mais cético, de qualquer coisa invisível, indizível, e inexplicável que nos vai levando discretamente, como um guia, com um humor por vezes negro admito, mas que nos aponta principalmente para os pormenores, e que nos faz olhar para determinados sítios, na altura certa ou, que nos faz sorrir, mesmo antes de conhecer alguém especial, como se essa pessoa estivesse à espera que eu ali passasse. Qualquer coisa que me faz sentir… acompanhado.
Passados uns dias de viajarmos sozinhos, depois de deixar a solidão assentar num sítio bom e sereno, todo o nosso ser fica mais sensível. O afastamento do mundo que a solidão naturalmente cria, traz-nos uma perspetiva diferente ao olharmos para o funcionamento do mecanismo social do país onde nos encontramos. Olho para mim, de fora, num novo local, e rio da minha desorientação. Olho para os turistas de longe, perdidos como quando eu cheguei. Olho para os locais, olho para os locais a olhar para mim. Rapidamente sei quem vem por bem, ou quem não vem. Muitos pedem-me para tirar fotografias com eles talvez seja da barba… Olho para o quotidiano vivo à minha volta, inspiro tudo. De que maneira cresceram estas pessoas? Onde nasceram? Como era a sua família? Qual foi o seu brinquedo preferido? Qual é a sua canção preferida? O que comem ao pequeno-almoço? Por vezes tento aproximar-me, ficar mais perto do seu mundo, sentir as cores, os cheiros, os sabores, os gestos, tudo tão diferente! Penso nos papeis invertidos: eu em Lisboa, e um personagem como eu sentado no Chiado a observar o meu mundinho como se eu fosse um animal raro. Penso que tenho que estar mais atento quando for ao Chiado. Há no entanto, sempre, qualquer coisa que nos une e que liga tudo fazendo com que todos, venhamos de onde viermos no universo, tenhamos isso em comum, e que se torna claro como água no mais simples e puro dos gestos. Não sei dizer, porque não se diz, nem sei explicar porque não se explica. Sei que está tudo a correr bem, e que quando sorrio para alguém, quase sempre tenho um sorriso de volta. Na fotografia está um papel de prata onde uma senhora velhinha me escreveu qualquer coisa quando cheguei sozinho a um templo Taoista, vazio, no cimo das montanhas de Mianshan. Levou-me à casinha dela, deu-me 20 yuan, o papelinho, e deixou-me ir. Ainda não perguntei a ninguém o que aqui está, mas espero que de alguma maneira justifique o que escrevi hoje.