Nasci em setembro, dia 16. Disseram-me que é o mês do recomeço, o que tem lógica tendo em conta o ciclo laboral e escolar. Mas para mim, que não tenho ciclos, acho que tem sido principalmente um mês de pausa, e de alívio. Não só porque o calor abranda e a fúria balnear serena; mas porque tudo fica da cor dos fins de tarde que agosto nos terá dado ao longo das nossas vidas. Setembro será sempre o final de um dia grande de verão e aquele momento em que nos deitamos na cama com o corpo ainda cheio de sal, e não pensamos em nada até adormecer. Sim, talvez setembro seja também a manhã seguinte, em que temos de voltar, mas para quem como eu não chegou a ir de férias, essa volta é apenas como ver um filme sobre o regresso, em que Lisboa se volta a encher de quem lhe pertence e eu, que nunca cheguei a parar, apenas apanho o balanço desse recomeço. É que desde que sou músico que agosto tem mudado a minha perceção de setembro. Os verões em Porto Covo, Sagres, Mesão Frio, Fão, foram substituídos por concertos por Portugal inteiro, e viagens debaixo de ares condicionados que me põem rouco na segunda música do alinhamento. A calma do mês da praia foi substituída pela ansiedade da estrada, dos hotéis, da vontade de dar bons espetáculos para públicos que muitas vezes não são o meu público. Agosto mudou e setembro é o mês de parar e sei que preciso de uma pausa quando fico tonto só de fazer os exercícios de aquecimento de voz antes de entrar em palco, ou quando repito alguma piada durante um concerto, ou quando dou demasiada importância ao facto de um qualquer “artista da moda” ter tido mais gente do que nós à frente do palco no dia anterior. Preciso de férias quando o mês de agosto me sobe à cabeça com toda a sua exuberância, sem estribeiras e as suas notícias de festas cheias de glamour aquela palavra que se tornou sinónimo de “ajuntamento de cromos” a ouvir aquele DJ que põe a mesma música que o outro DJ, mas que toda a gente idolatra e a quem pagam obscenidades para abanar o braço para a frente e para trás ao ritmo da batida básica que passa em frente a uma multidão de robots hipnotizados pelo brilho das luzes e da pirotecnia e dos bolos na cara. Todos os concertos onde de repente a minha função parece ser outra, porque agora o público em agosto quer ser entretido e eu, que não sou entertainer, sinto-me mal por não gritar “Como é pessoal!! Façam barulho!! Quero ver essas mãos cá em cima!!!”. É difícil ser o que sou, em agosto. E acabo cansado, e a pensar que em agosto se torna demasiado claro que o “novo pop” feito de artistas a copiar descaradamente fórmulas de músicas de sucesso lá de fora, inundou o mercado baixando a fasquia de tal forma que cada vez menos gente sabe a diferença entre música pimba e hip-hop, música infantil e boas canções, o original e a imitação, arte e negócio, verdade e mentira… e, se ninguém sabe a diferença, e se a oportunidade faz o ladrão, e se o público baixa a fasquia, e se o músico baixa a fasquia, e se o promotor nem quer saber… Quando olhamos, endeusaram-se estrategas da música em vez de artistas, e agosto fica vazio, “foleiro”, banal. Preciso de uma praia vazia e de um passeio à beira-mar daqueles que trazem de volta o sentido dos passos. Desde que sou músico que setembro se tem tornado a bonança depois da tempestade feita de concertos que tanto nos podem encher, como esvaziar, frente a públicos que tanto nos podem abraçar inteiros, como podem nem nos deixar entrar, porque não lhes berramos aos ouvidos. Agosto é confuso, emocionante e cansativo, motivador e frustrante. Venha setembro, que é o meu mês.
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