Realmente a minha voz estava mais calma ao telefone: “porque é que estás com uma voz estranha?”, “estou a falar normalmente, se calhar é porque aqui não há muita rede”. Aqui, é longe de casa e ouvem-se grilos até durante a manhã. Estou a ouvi-los agora enquanto escrevo numa mesa de pedra por baixo de uma tília, e ouvem-se pássaros também e o vento a chegar de longe. A casa de pedra está ali ao fundo. Estou numa quinta entre Maçal do Chão e Vila Franca das Naves, concelho de Celorico da Beira. Vim para aqui com a minha estimada banda para começarmos a trabalhar nos arranjos das músicas para o novo disco. A casa é do avô do Lencastre (baterista), e ninguém cá pernoitava há mais de 15 anos. Quando chegámos e abrimos a porta de entrada havia pó por todos os cantos, ainda há, aliás, mas agora já nem ligamos tal é o nosso estado “zen”síndrome típico de gente urbana em choque com o reencontro com a natureza. É assim que tem sido. Ainda só cá estamos há uma semana e já nos habituamos a este ritmo lânguido de existir.
Aqui não há grandes pressas e a minha voz está mais serena. Os carros, quando os vemos nas visitas à aldeia, andam mais devagar do que em Lisboa, e nós adaptamo-nos à velocidade. Uma ida ao supermercado para nos abastecermos de massa e atum transforma-se num passeio lento pela estrada de terra, onde pelo caminho cumprimentamos senhores em tratores que em princípio encontramos logo à noite no tasco e com quem vamos relembrar, de bagaço em riste, o momento em que nesse mesmo dia nos cruzamos na estrada de terra. Tudo isto me faz lembrar aquela parte morna da vida de que Vinicius falava, onde as conversas são elas também mornas da mesma maneira que o nosso corpo se vai curando das corridas desenfreadas pelas ruas de Lisboa. Aqui tudo para, e vem o vento, e temos os instrumentos montados na sala para que rodeados de árvores e sol e cheiro a campo, comecemos a escolher as cores de um novo álbum que nos vai acompanhar durante muito tempo. Um álbum é uma fotografia daquilo que somos quando o gravamos, e esta é a altura em que escolhemos as roupas que queremos vestir para a fotografia.
Não sei bem o que se passa no mundo. Se não fosse o instagram nem sabia que os republicanos americanos já começaram a tentar convencer os eleitores que afinal todos adoram o Donald Trump, e que aquele comboio não está completamente descontrolado. Vi imagens de um estádio lotado, quente, a família Trump toda a falar, a Melania a copiar o discurso da Michelle… uma novela total que por ali vai! E nós a assistirmos, porque no fundo, é “good prime time television”.
Incrível o nível de desespero e cegueira a que um partido político chega: aquele que não passava da maior piada das eleições presidenciais, um personagem sem caráter, com ideias fantasiosas, tirado diretamente de uma sidcome ou de um filme distópico de ficção científica (qual Darth Vader de cabeleira amarela), é agora o único republicano com hipótese de chegar à tão ambicionada Sala Oval. E o partido, doido de fome, esquece todos os argumentos contra, e agarra-se ao Donald como a uma boia de salvação depois de tão tempestuosas primárias.
Vamos todos com certeza continuar a acompanhar esta saga na esperança que seja tudo apenas entertainement para nosso deleite, mas que a par do Brexit, reflete cada vez mais uma total desorientação mundial em relação à sua própria falta de controlo no mundo. Eu por aqui vou continuando a escrever sobre amor e coisas pouco importantes, ou menos vistosas. Acho que o mundo inteiro devia ir passar uma semaninha ao campo, sem internet, sem telefones, numa casa cheia de pó, para se limpar.