Estou em frente à televisão. Explodiu um carro-bomba na Turquia. Antes de ontem foi no Paquistão, a semana passada em Bruxelas, há 4 meses em Paris… É impressão minha ou quanto mais estes ataques absurdos e cobardes se sucedem mais o sistema nervoso global se adapta ao choque? Será que vamos chegar ao ponto em que um ataque terrorista se torna banal? Em 2013, falava muito pela net com uma amiga que naquela altura estava na Síria, com os Médicos Sem Fronteiras.
É psicóloga e a missão dela seria dar apoio às vítimas da guerra civil, ao mesmo tempo que se encarregava da segurança de toda a equipa negociando com diversos grupos armados. Falava-me de “rockets”, de “shieldings” e de bombardeamentos a 5 km dali. Lembro-me que, enquanto lia o que ela ia escrevendo, lhe sentia um certo à vontade nas palavras. “então mas isso é seguro? Se há bombardeamentos, vão para um bunker?”, perguntava eu, “Sim… temos q evacuar p uma cave. Mas tasse bem, temos uma safe box com comida, tabaco e música, lol.” respondia ela. “Somos muito resilientes” explicava-me ela quando a inquiria sobre toda a calma com que me contava o que ali acontecia todos os dias. Eu acredito nisso. Que somos humanamente resilientes e que quando é preciso, quando somos precisos, o nosso corpo e a mente reagem e fazemos o que tem que ser feito, deixando emoções distrativas de lado e enfrentando o essencial. O que me faz confusão é que com esta distância geográfica que por enquanto temos dos acontecimentos (estou a bater na madeira), notícias iguais, embora igualmente bárbaras e alarmantes, se tornam banais aos nossos olhos. Em duas semanas houve três atentados.
Nos canais de notícias portugueses está a dar a inauguração do novo centro de estágio do Jamor. Passei para a Euronews.
Dizem que o turismo em Nova Iorque demorou três anos a recuperar dos ataques de 11 de Setembro. Madrid demorou um ano depois dos ataques de 2004. Londres, nove meses depois dos de 2005. Será este o sinal de que realmente estamos em guerra? Uma entrada gradual mas efetiva até ao ponto de a travarmos interiormente, não com um regresso resiliente ao nosso dia a dia europeu, mas com uma aceitação silenciosa da iminência de ataques-surpresa vindos de guerreiros, ou “robots”, infiltrados nas nossas ruas? Lembro-me de um livro que li há uns anos chamado Falcão -Meninos do Tráfico, do rapper brasileiro MV Bill. Falava dos bastidores da gravação de um documentário sobre as crianças do tráfico nas favelas brasileiras. O que mais me impressionou nos relatos foi a naturalidade com que aquelas crianças, algumas de 13 anos ou menos, falavam da presença da morte no seu dia a dia. Era normal morrer, era normal matar, era normal existir morte violenta todos os dias. Pegavam nas armas como quem vai para o escritório, e matavam, como morriam, ao sabor da brisa da tarde a percorrer as ruas miseráveis. O que para nós seria o inferno, para eles era mais um dia. O corpo e a mente tinham-se adaptado, resilientes desde a nascença, à banalidade dos dias entre balas. Isto existe por todo o mundo, a guerra.
Estaremos nós desde já a habituarmo-nos às explosões? Sinto que a guerra já começou, e sinto-a mais perto do que nunca, como se se estivesse a aproximar, silenciosa, cobarde, de cérebro lavado, cega, e o nosso interior começa-se a mexer, a perceber, a acordar, a adaptar-se, a posicionar-se para mais uma reação, para mais uma notícia no telejornal, longe de nós, distantes, protegidos neste cantinho da Europa… Hoje o Daesh ameaçou Portugal.