Desde que aceitei este desafio que todos os quinze dias tenho que parar e perceber o que nos últimos tempos me tocou. Tento sempre deixar este ritual para o dia mais próximo do prazo de entrega para que aquilo que escrever não perca por desatualizado. Há no entanto alturas em que felizmente tenho tanto trabalho, que se torna difícil estar atento ao que se passa à minha volta. Nesta crónica podia tentar um olhar mais sóbrio sobre o que se passa nos Estados Unidos com aquele que tem vindo a acordar o ódio adormecido de uma grande faixa de americanos ultraconservadores, racistas, xenófobos e broncos, mas acho que vou esperar o desfecho desta história que tenho vindo a acompanhar como se fosse uma série da Fox; podia também falar sobre o nível de absurdo e descaramento do que se passa no Brasil, acho que existe uma altura em que o pânico do “corrupto” que se vê encurralado entre as espada e a parede é tal, que já sem cerimónia começa a disparar para todo o lado e a chantagear quem pode para se safar, já sem a mínima preocupação para com um país inteiro a assistir incrédulo ao que se passa. Espero que saiam à rua, que se deem ao respeito; Hoje, no entanto, escolhi escrever sobre um assunto bem mais simples e perto, porque às vezes faz bem olharmos à volta e percebermos o sítio onde estamos, para saber se o caminho é certo ou se há acertos a fazer. Esta semana o que mais me emocionou foi um concerto que dei ontem, no Espaço Time Out no Mercado da Ribeira, para uma iniciativa da Cais chamada Mais música mais ajuda. O desafio foi fazer um concerto em que tocássemos outras canções que não as minhas. A ideia que tivemos foi a de fazer uma noite de canções que nos influenciaram, a mim e à minha banda, enquanto músicos. A verdade foi que a seleção natural do repertório e o concerto de ontem, teve tanto de emocionante como de terapêutico. Depois muitos cortes, conseguimos encontrar um alinhamento que iria durar mais ou menos uma hora. Tive a preocupação de não incluir temas demasiado obscuros porque esta noite seria afinal para todos se divertirem, banda e público. Tivemos dois dias de ensaios que claramente não foram suficientes dado que o meu grau de nervosismo antes de entrar em palco era bem mais acentuado que no dia dos concertos dos Coliseus. A sala estava esgotada, o palco era baixo, o teto era baixo, sentia-se uma energia grande nos camarins, e a ansiedade. Íamos tocar as músicas das nossas vidas: Radiohead, Tom Waits, Bowie, Dylan, Springsteen… entrei em palco sozinho. O público estava a cerca de um metro de mim, intenso, de pé, e estendia-se até ao fim da sala. Comecei com um “medley” de músicas em português, da altura em que o público ligava a uma boa letra: Jorge Palma, Sérgio Godinho, Rui Veloso. Canções sem fórmulas, vindas da parte mais pura do coração; cantámos todos juntos acompanhados pela minha guitarra. Seguiu-se o Variações, depois o Beck, depois Smashing Pumpkins, e mais músicas que afinal não só nos moldaram como músicos mas também como seres mais sensíveis, mais atentos, mais humanos. Também tocámos canções minhas claro, mas apresentadas como efeito da causa subjacente: “eu fiz esta música, porque ouvi esta antes”. Cantámos muito, todos, e dançámos, “in the dark” com o Bruce. Suei, suámos música, canções que resistiram ao juízo do tempo. Acho que acabámos o concerto contentes por termos crescido numa altura em que os Nirvana eram uma banda universal, como hoje é o Justin Bieber. Celebrámos uma altura em que a música era visceral, como ainda hoje tentamos ser. Suámos muito ontem, e fomos descansar de consciência tranquila.
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